Suas mãos suavam diante da porta dourada, tomando coragem para abri-la.
Ainda que não estivesse trajando aquele uniforme de placas pesadas, sentia seus ombros tensos. Os outros dois guardas parados na lateral se entreolhavam de soslaio confusos pela demora e nervosismo de seu capitão.
Ethan os ignorou, respirou fundo e entrou.
Valerian estava ocupado naquela manhã, trabalhando duro em manter a economia mercante da baía em harmonia. O cavaleiro tomou a oportunidade para se esgueirar pelos corredores até o quarto de seu rei.
Ao cruzar as imponentes portas de madeira maciça, o cheiro amadeirado e água salina o desnorteia. A luz natural do sol atravessava as janelas amplas, destacando o mobiliário nobre, a cama deslumbrante e as cortinas amarelas. Ethan suspirou, absorvendo a cena de que nunca cansa.
Chacoalhou a cabeça. Precisava ser rápido.
Deixou o punhado de cartas sob a mesa de carvalho, e enfim escondeu a sua em meio às demais. O contraste de papéis coloridos, cheirando a perfume, com seu humilde envelope branco sem remetente, quase o fez abandonar a ideia pela enésima vez.
Apertou o pomo da espada em sua cintura e se retirou antes que desistisse de fazer aquilo.
Travou a respiração e só a soltou quando estava metros longe dos aposentos, de costas para a parede branca do corredor.
"Droga...", repreendeu a si mesmo, quase ofegante de nervosismo.
Não foi isso que prometeu a si mesmo quando aceitou aquela missão. Era para ser só uma carta. Uma. Algo que tirasse o peso todo de seu peito e assim pudesse voltar a ser para Valerian o que ele de fato merecia: um bom amigo e confiável capitão da guarda real.
Agora, jazia em meio às pilhas de cartas de amor, sua terceira.
Franziu o rosto, batendo a parte de trás de sua cabeça contra a parede. Da virada do corredor, apareceu Seraphina — a atual braço direito e antiga cuidadora do rei. Vinha carregando uma porção de tecidos brancos, limpos, mas jogou-os ao chão no instante em que o viu.
— Ethan! — Gritou, com um sorriso de ponta a ponta e envolvendo-o em um abraço forte. Continuava igual como sempre, cabelos bagunçados, sardas que pareciam salpicos de tinta em tela creme e dentes frontais que lembravam graciosamente os de um coelho.
Ambos eram altos, mas a mulher parecia carregar a força de três soldados.
— Bom dia, Lady Sera — cumprimentou assustado, sentindo os calcanhares levantar do chão.
— Nossa boa rainha lá no céu te mandou em boa hora! Me ajude com isto, sim? — Ela o empurra a cesta, que parecia pesar quilos a mais do que deveria. — Veio trazer aquelas cartas? — Perguntou, tapando um grande sorriso arteiro. — Soube que Valerian tem até um admirador secreto agora.
Ethan sentiu um frio na barriga subir.
Poucos eram os funcionários com quem Valerian compartilhava sua vida pessoal, mas apesar de carinhosa, Lady Sera também era a confidente mais fofoqueira.
— Abaixe a voz, por favor! — O cavaleiro sussurrou de volta, querendo desesperadamente sumir com aquele assunto. — Lembre-se que estas cartas são segredo da corte! Astoria não pode saber dos planos de casamento.
Puxando-o pelo braço escada abaixo, ela respondeu abrindo um grande sorriso brincalhão.
— Com a calmaria destas águas, os anciãos nem aparecem por aqui. Vá contar à Valerian! Ele acabou de voltar, deve estar no jardim.
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Cor de areia e água do mar.
Short Story[🏆 1º Lugar concurso Cerulean - LGBTQ+] Ethan tem como missão entregar, em sigilo, as cartas de amor que Rei Valerian recebe das pretendentes. Em meio a tantos envelopes coloridos e perfumados, ele discretamente esconde as dele.