Uma decisão definitiva na madrugada

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Tem coisas nessa vida que ninguém conserta: uma taça quebrada, uma folha rasgada e mulher quando diz que já era

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Tem coisas nessa vida que ninguém conserta: uma taça quebrada, uma folha rasgada e mulher quando diz que já era...

Eram 2h10 da manhã do dia 23 de março. Eu dedilhava o violão tentando fazer com que as palavras saíssem. O caderno que usava para compor estava jogado em cima da cama. Quanto mais tentava escrever as músicas, mais as palavras sumiam da minha mente. Eu tinha apenas alguns pedaços de uma  melodia vazia. A cabeça ia e vinha na confusão. A mesma confusão que entrava e saía da minha mente desde 2018. Desde que eu decidi viver um amor com um cantor sertanejo. Desde que eu decidi mergulhar sem boia, voar sem paraquedas. 

Muitas coisas aconteceram nesses cinco anos. Muitas lágrimas. Muitas idas e vindas. E agora, eu finalmente me sinto  exausta, mental, física, mas principalmente, emocionalmente exausta. Exausta de lutar contra os meus sentimentos confusos. Larguei o violão  no pé da cama. Eu precisava de uma  resolução definitiva.

Fui ao closet e peguei o banquinho que sentava todos os dias para vestir os sapatos. A casa estava silenciosa. Maraísa tinha saído para jogar beach vôlei com alguns amigos. Paulinha acompanhou a minha mãe até o mercado. O silêncio pulsante da casa vazia me enlouquecia. Subi no banquinho tendo apenas as batidas do meu coração que aceleravam conforme eu evitava a vontade de chorar e a tentativa de engolir o nó na garganta. 

E ali estava. Na segunda prateleira à esquerda da porta do meio. Uma caixa vermelha e grande com um coração estampado na tampa. Eu tinha colado aquele coração a mão quando ainda achei que a nossa história seria pra sempre. Era irônico que eu ainda mantivesse minhas lembranças mais lindas, mas também mais tristes em uma caixa de coração.

Eu li uma vez que cada decepção que vivemos deixa uma cicatriz no coração, às vezes difícil de apagar. Um coração desiludido pode se tornar um cristal quebrado e depois colado. O coração é um lugar sagrado, é onde guardamos o que temos de mais precioso, a nossa capacidade de amar. Eu ainda acreditava no amor, mas pra me sentir pronta pra isso novamente, teria primeiro que lidar com o meu coração quebrado.

A primeira lágrima caiu assim que encontrei o primeiro item da caixa. Era uma foto dobrada. Ao verso a data mais agridoce da nossa vida: 23 de dezembro de 2018. O dia que seria a a minha maior felicidade, mas também a minha maior ruína. Nós dois em cima do palco, fazendo o que mais amamos fazer na vida, cantando, e nos conhecendo. E então a lembrança seguinte é o porta-retratos que eu quebrei no nosso primeiro término. O ciúmes assombrava nós dois. E foi ele a primeira curva da nossa montanha-russa. 

E aí a gente começou aquele ciclo de retomadas e despedidas. Ambos tentávamos passar por cima do ciúmes, do medo bobo, das inseguranças. Nós dois sabíamos que a gente via a vida de forma muito diferente. Que seria difícil tentar um reencontro no meio do caminho. Mas eu me prendia nos seus olhos castanhos, na melodia do seu violão e tentava de novo. E de novo. E de novo. Muitas cartas e letras de música contam a história da nossa trajetória.

E volta e meia, eu me perguntava: por que eu tinha que passar por isso? Logo eu, doce e meiga, sonhava em casar, ter filhos, encontrar um companheiro que pudesse amar pra sempre e ficar juntos até ficar bem velhinhos, ter bengalas e quem sabe fazer crochê juntos. 

Eu ia retirando as coisas daquela caixa. Revivendo as nossa memórias. Algumas pétalas secas daquelas vezes em que a gente reatava. A cada briga, um buquê de flores. Uma traição, um presente. Uma palavra dolorosa, uma letra de música romântica. 

Foram cinco anos. Três noivados. 12 términos. E as traições? Eu parei de contar na quarta... 

E então, eu me dei conta. 

Me dei conta que a gente tenta fazer tudo certo, insiste em não errar ou nunca magoar os outros. As vezes até nos machucamos no processo, e o pior é quando o outro se machuca ainda assim. E o nosso último término foi o mais bonito. Você tinha me traído mais uma vez sim. E dessa vez você mesmo me contou. As lágrimas caíam porque dessa vez você sabia que o final seria definitivo. E apesar de todas as expectativas quebradas, o nosso último começo parecia ser o mais promissor. Eu estava mais forte. Mais segura. Mas você era o mesmo homem imaturo que ainda queria curtir os seus 30 e poucos anos, enquanto eu te esperava, acordada, fazendo planos. 

Você voou para o Canadá e entregou mais um pedaço do seu coração. Dessa vez para o seu ex-relacionamento. Tinha sentimento envolvido. E a perspectiva de perder o controle te apavorou. Mas já era tarde. Eu te disse que foi uma sorte - apesar do azar - viver ao seu lado todos esses anos. Eu tinha conhecido o amor, mesmo saindo dele com o coração quebrado. Talvez eu demorasse algum tempo para finalmente seguir em frente, mas eu saberia que eu fiz tudo o que eu podia. Eu lutei contra esse final, mesmo que eu já me preparasse para esse dia a muito tempo. 

E então, você tentou de novo....Você tentou reverter aquele momento mais uma vez 

Você tentou apelar para o meu senso de autopreservação. Porquê ficar talvez doesse menos. Talvez me machucasse menos a curto prazo. Mas quer saber? É exatamente isso que precisa acontecer agora. Eu preciso encerrar essa história e me deixar sofrer pela dor de um amor que se encerra. Milhões de casais já terminaram de formas extremamente dolorosas. E não seremos nós a revolucionar esse mecanismo.

E eu percebi que não tinha mais o sentimento, a perna bamba, o encantamento. A saudade. Tinha um desespero de nos poupar da dor da separação definitiva. Era a minha velha tentativa de controle. De tentar fingir que estava tudo bem quando nada mais fazia sentido. 

E quando não tinha mais nada para lutar, eu entendi finalmente, o que as pessoas queriam dizer quando falavam que a nossa relação era tóxica. A gente estava aqui, se prendendo ao que insistia em dar errado. E eu não sei até que ponto isso era amor ou só medo de lidar com o fracasso. Sim! Fracassei! 

Mas a exaustão me fez entender que se chegou um momento em que foi preciso salvar o que tínhamos, é porque não fazia mais sentido algum ter. 

Limpei as lágrimas. Juntei todas as coisas e caixa de coração. Desci as escadas. Peguei um saco de lixo e um isqueiro. Os cacos do porta-retratos foram para o lixo. Os papeis, pétalas, fotos, fitinhas e afins viraram cinzas junto com o que restava do meu amor. 

E esse foi o dia em que o meu coração começou a ser salvo. Eu estava destruída, mas estava pronta pra deixar a nossa história ir. Relações tóxicas precisam ter um ponto final algum dia. E eu precisava terminar a nossa antes que ela acabasse comigo. 


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⏰ Última atualização: Jul 26, 2023 ⏰

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