L'Inferno

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Matera, Itália.
9 de Novembro de 1945.

O choro da criança recém-nascida ecoou pelo quarto mal iluminado na casa da colina. Um homem robusto de face peluda segurava com firmeza a mão da mulher em sofrimento. A senhora segurando as pernas da jovem deitada, retirou o bebê ensanguentado pela cabeça e o aninhou no colo.

"Deixe-me segurar! Eu quero ver!" o único homem no quarto apressou-se. Ele segurou o corpo pequenino e abriu um grande sorriso antes de olhar com os olhos marejados para a mulher ofegante.

Era um menino.

Juntos, o casal observou o rosto achatado e sujo do garoto chorão. O sentimento de alívio preencheu ambos de formas diferentes. A moça, porque o pior do parto já havia passado; o homem, porque havia sido abençoado com seu filho e herdeiro.

"Qual será o nome do mocinho?" a gentil envelhecida empregada juntou as mãos, emocionada.

O casal se entreolhou, já certos de sua resposta desde a terceira semana de gravidez. Ambos faziam parte de famílias orgulhosas que possuíam valores fortes, então o nome do garoto que os uniria por sangue deveria ser digno de aplausos de ambos os lados da família.

"Cosimo Ranallo-Vittori," o homem assentiu com um sorriso calmo no seu rosto.

Apenas a alegria e o constante choro do menino enchiam aquele quarto, até que a feição da velha empregada Agata mudou. Ela se aproximou novamente das pernas abertas de Norma Vittori.

"Que maravilha!" ela exclamou despreocupada. "Você tem outra benção à caminho!"

O homem foi o primeiro a se levantar intrigado, mas sua expressão não era positiva. A família tinha se preparado apenas para a chegada de um menino. Um único herdeiro.

"Força, senhora Vittori! Força!" a idosa ordenou.

Ferruccio Ranallo, o homem alto e barbudo com seu filho nos braços, encarou sua esposa enquanto gritava de dor novamente. Negou a realidade o máximo que pode, até que teve a visão de outro menino nos braços de Agata. Sua face se enraiveceu, ele era ingênuo demais para saber como as coisas funcionavam e acreditava que ter um filho inesperado poderia vir de apenas duas coisas: uma traição bem escondida ou uma maldição antiga.

Senhor Ranallo manteve Cosimo em seus braços, encarando o outro recém nascido com desgosto. A doce Norma, já ciente da reação de seu marido, demonstrou desinteresse em segurar o mais recente bebê, devota aos gostos e opiniões de seu homem. Nem mesmo a confirmação do sexo masculino da criança poderia acalmar o homem ríspido.

Agata segurou o garoto nos braços e o aninhou, com pureza em seus olhos.

"Como irão chamá-lo?" mais uma vez, ela sorriu.

Ferruccio apenas bufou e saiu do quarto com um Cosimo ensanguentado em seus braços, atrás de alguém que o limpasse devidamente. Apenas quando as mulheres e o anônimo neném se encontraram sozinhos no quarto, a jovem demonstrou independência. Ela observou o quarto em sua volta e fixou os olhos na sua mesa de cabeceira, onde haviam 2 livros empilhados. O que se posicionava na superfície sendo La Divina Comedia di Dante Alighieri. L'Inferno.

"Chame-o de Dante. Dante Ranallo-Vittori," a moça angustiada forçou as palavras para fora da sua boca, sabendo que se fosse por seu marido, o garoto jamais teria um nome.

E assim cresceram os gêmeos Ranallo-Vittori. Mesmo com suas aparências idênticas, os olhos e cabelos de ambos se diferenciavam por sua aura. Cosimo carregava ordem e delicadeza nos seus cabelos escuros, e uma certa semelhança ao céu italiano nos seus olhos negros. Já Dante, andava sempre com um olhar mais abusado e de quem estava tramando a ruína da família, seus cabelos eram bagunçados independente do quanto Agata tentasse os arrumar.

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