Houve um engano

150 19 53
                                    

capítulo um

HOUVE UM ENGANO


"Yokohama, 23 de março de 2023

Olá, como vai?

Você deve estar surpresa por receber um sinal meu depois de tantos meses. Eu tentei entrar em contato com você durante muito tempo, mas você desapareceu. Trocou o número do celular, excluiu as redes sociais e rompeu contato com qualquer um que pudesse ser mediador dos meus recados. 

Esta foi a única forma que achei de te contatar.

Eu não sei como começar a escrever essa carta, talvez pelos motivos de eu estar fazendo-o, mas para ser sincero, nem sei onde estava com a cabeça quando peguei o papel e a caneta.

Existem tantas coisas na minha mente nesse momento e eu me sinto saturado há tanto tempo que tudo o que eu consigo pensar é que preciso colocar um fim nisso tudo, e é por isso que eu escrevo agora.

Não espero que você me responda, nem mesmo que termine de ler esta carta ao reconhecer minha letra, mas não tem problema. Não é como se eu quisesse uma resposta, de qualquer forma. Escrevo por mim, por desencargo da minha consciência e para fazer o que já deveria ter feito antes: Pedir desculpas.

Nós dois erramos nessa história, não estou tomando toda a responsabilidade para mim e muito menos tentarei jogá-la toda para você. Estou fazendo a minha parte porque não consigo seguir em frente ignorando tudo o que aconteceu, como você fez.

Ainda não me tornei tão frio assim.

Não vou continuar a enrolar e a te mandar alfinetadas (é minha parte infantil que ainda não consigo controlar), então, finalmente, me perdoe.

Eu sei que errei com você primeiro, que coloquei outras coisas na frente do nosso relacionamento e que isso implicou nas coisas que você fez. Afinal, “quem não tem em casa, procura na rua”, não é assim o ditado? Eu ainda tentava fazer minha parte, levar flores e presentes para mostrar que ainda me importava com a gente, mas eu deveria ter parado com isso assim que percebi que não era o único homem na sua vida. Ao invés disso, eu continuei como se estivesse tudo bem entre nós dois, machucando a mim mesmo e a você.

Me perdoe, mais uma vez.

Escrevendo isso, acho até engraçado. Talvez eu tenha sido o único culpado, afinal de contas. Suas escolhas não foram corretas, mas foram somente um reflexo das minhas. A única coisa que eu precisava fazer era cuidar de você e te amar, ainda assim fiz totalmente ao contrário disso e essa percepção veio muito tarde.

Eu não te culpo e nem julgo por nada o que fez, talvez nem seja certo eu tocar nesse ponto depois que você desapareceu, mas como eu disse, faço isso por mim. Me desculpe por continuar a ser egoísta. Acho que é um traço da minha personalidade falha que eu nunca vou conseguir consertar.

Enfim, não acho que tenha mais algo a mais para falar. Sabe que eu sou péssimo em me desculpar, mas eu tentei, mesmo que já esteja atrasado demais para isso.

Espero que esteja bem agora, seja-lá o que estiver fazendo ou onde estiver. Te desejo tudo de bom agora que estamos longes um do outro. 

Cuide-se.

Atenciosamente, 

N. H.”

Shikamaru franziu o cenho ao terminar de ler aquela carta, a qual claramente não lhe era endereçada, apesar de ter sido entregue em sua caixa de correio.

Faziam já alguns dias desde que a havia recebido, mais de uma semana, e pela data havia sido escrita dias antes, mas não achou certo abri-la ao ler que era destinada à antiga dona da casa. Não considerava-se uma pessoa curiosa, contudo foi impossível segurar o impulso de abrir aquele envelope bonito ao passar pelo balcão da cozinha todos os dias e vê-lo ali em cima.

Talvez deveria tê-lo jogado no lixo assim que percebeu que não era seu, mas não conseguiu, por algum motivo que não conseguia entender. Só… Parecia triste e insensível demais jogar uma carta escrita à mão em pleno século XXI no lixo.

O certo agora seria ignorar tudo o que leu. A pessoa que escreveu aquelas coisas queria colocar um ponto final no que quer que tenha acontecido entre ela e a antiga dona da casa, tanto que até pediu para que a carta não fosse respondida.

Era melhor que aquele homem pensasse somente que ela havia lido e ignorado tudo aquilo, assim ele poderia, finalmente, seguir em frente como queria.

Então por que estava sentado na mesa da cozinha, encarando um papel em branco e segurando uma caneta preta enquanto pensava em como dizer para aquele cara, que sabia somente as iniciais deixadas no final da carta, que a pessoa para quem ele escreveu havia ido embora?

Suspirou audivelmente, ouvindo um leve eco se espalhar pela casa vazia, e relaxou o corpo contra a cadeira, olhando para o teto. Já eram mais de meio-dia e faltava pouco tempo até que seu horário de almoço acabasse e precisasse voltar para o trabalho. Tinha outras coisas para fazer durante aquele tempo, então por que estava quebrando a cabeça para responder a uma carta que nem era sua?

Fechou os olhos por alguns segundos, refletindo sobre o ótimo cochilo que poderia estar tendo, e então voltou a encarar a folha vazia, colocando a ponta da caneta ali.

Nem mesmo sabia como começar uma carta.

“Fujinomiya, 4 de abril de 2023

Não tenho muita ideia de como iniciar a escrever isso, então vou começar como você:

Oi, tudo bem?

O mais surpreso dessa história deve ser você, tanto por receber uma resposta, quanto pela letra ser diferente da qual você esperava.

Primeiramente, vou iniciar te pedindo desculpas por ter invadido sua privacidade e lido uma carta que não foi escrita para mim. Acontece que, apesar de não ser do meu feitio ser curioso, foi impossível me segurar ao perceber que era uma carta escrita à mão. Não consegui me desfazer dela e muito menos ignorá-la, por isso, peço perdão.

Sei que não foi algo certo a se fazer e, talvez, eu deveria somente ignorar tudo isso. Mas depois de muito refletir, decidi que não conseguiria fingir que não li depois de… Bem, depois de ler.

Achei que você precisava de alguns esclarecimentos, mesmo que não seja isso que você queira. Talvez assim seja mais fácil para você seguir em frente e superar de vez o que foi que aconteceu entre você e a antiga moradora dessa casa.

Serei breve nas minhas explicações.

Eu comprei essa casa há seis meses, aproximadamente, de uma mulher que decidiu se mudar para a América para, segundo suas próprias palavras, recomeçar a vida com honestidade e longe de qualquer um que a conheça.

Pensando agora, acho que não é certo te contar isso, já que era um segredo dela e você claramente é uma das pessoas das quais ela fugiu. Mas espero que você seja um homem com noção e que não tente descobrir para qual país ela foi ou algo parecido, afinal, assim como ela, tudo o que você parece querer é seguir em frente, correto?

Acho que era só isso que eu tinha para te dizer, ironicamente, para desencargo de consciência.

E já que você não escreveu seu nome, eu também não vou escrever o meu, então…

Atenciosamente,
S. N.”

Cartas escritas à mão no Século XXI - shikaneji Onde histórias criam vida. Descubra agora