Lá estava eu, aos meus oito anos de idade na segunda série em mais um dia de aula normal até que alguém bate a porta da sala, quando olho, vejo meu avô parado a porta. Naquele exato momento eu já sabia o que tinha acontecido.
Entro no carro e lá estão meu pai, minhas tias e meu avô. O caminho até em casa é silencioso e rápido, quando entro pela sala, vejo meu irmão e sua namorada empurrando o sofá da sala de jantar para a sala de estar. Papai manda eu tomar banho e a namorada do meu irmão vai me arrumar, assim fazemos e logo em seguida estou de volta ao carro com as mesmas pessoas.
Chegamos na casa da vovó, ela está sentada na frente de casa, eu peço a bença e entro para brincar com minha prima assim que os demais saem no carro. Pergunto a minha prima se ela sabe que a mamãe morreu e ela me olha em choque, "não fui eu quem te contei isso" ela fala, Alice tinha a fama de estragar aniversários surpresa na família e ela não queria ser a culpada por ter me dado essa notícia. "Ninguém me contou, eu sabia assim que vi o vovô na porta da minha sala, eu senti ali" digo pra ela.
Arrasto uma cadeira e sento ao lado de minha avó na frente da casa e lanço a pergunta: por que não querem me contar sobre ela?
Eles acham que tu não vai entender, ela responde.Talvez fosse verdade, eu tinha oito anos, mas entendia sim o que estava acontecendo, só teria um jeito menos maduro de lidar. Mas eu entendia, na verdade, em minha mente de oito anos, minha mãe tinha passado meses internada, olhando agora, acho que foram somente semanas, quer dizer, em meados de maio quando estavam escolhendo garotinhas para serem miss caipira e me escolheram, ela ainda estava bem, mas em junho quando começaram os ensaios, ela já havia sido internada, julho e agosto para mim foram uma mistura de as vezes estar em casa com minha família e minha mãe deitada em uma cama sem se lembrar de mim ou estar na casa de parentes enquanto meu pai morava com minha mãe no hospital, em setembro ela já não estava mais aqui em sofrimento.
Flashback on
Eu estava na casa da minha tia sentada almoçando, quando meu pai chega com um galão coberto, eu o pergunto o que é, mas ele só responde "não mecha", isso é o suficiente para atiçar minha curiosidade e na primeira oportunidade sozinha com o recipiente eu levanto sua capa me deparando com o que pareciam ser intestinos, os intestinos de minha mãe estavam lá.
Meu pai me convida pra ir pra casa e chegando lá vejo minha mãe deitada na cama com uma cicatriz enorme em sua barriga.
Acontece que minha mãe começou a ter gastrite aos quinze anos e mesmo morando na frente de um posto de saúde ela nunca se importou em fazer um tratamento, assim a gastrite virou úlcera e logo em seguida um câncer estomacal que infelizmente foi descoberto tarde de mais e já tinha comprometido boa parte dos órgãos. O tratamento já não era mais possível, tudo feito aquela altura era somente para aliviar um pouco da dor da pobre mulher.Junto do câncer e da desconfiguração de sua aparência veio também o alzheimer, mamãe não lembra a mais de mim, não me chamava mais de pentelho ou boneca, agora ela me chamava de Aline, que foi uma sobrinha sua que ela criou como filha e sempre falou com carinho, mas Aline é bem mais velha que eu e já era adulta com sua casa, marido e filhos nessa época, mas mamãe não lembrava, assim como não lembrava do papai, não lembrava que era casada. Imagina o desespero de acordar sem poder se mexer e um homem desconhecido estar cuidando de você, nem quero pensar como estava a cabeça de mamãe naquele momento. Mas papai tinha paciência e sua maior preocupação era que eu ficasse chateada por mamãe ter me esquecido, mas tudo bem, eu entendia a situação.
O quarto que eu dividia com meus pais, que antes era arejado e sempre limpo, agora era abafado e cheirava a urina e plástico já que mamãe era pele e ossos e não podia mais ficar em pé nem mesmo para ir ao banheiro, ela necessitava de usar fraldas, mas as vezes vazava e papai não quis retirar o plástico do colchão na intenção de preserva-lo.
Na tentativa e talvez evitar muitos estragos em meu psicológico o papai moveu a TV do quarto para a sala, para que eu não passasse a maior parte do meu tempo naquele quarto abafado. Eu estava deitada na rede com o papai assistindo piratas do Caribe três, quando ouço um barulho, mas minha preguiça de levantar naquele momento estava muito forte, então senti meu coração acelerar de angustia e algo me dizia "levanta e vai no quarto" e assim eu fiz. Quando abro a porta do quarto devagar na intenção de não acordar mamãe, me deparo com ela jogada ao chão com o rosto pra baixo chorando muito, naquele momento gritei e comecei a chorar, papai imedia veio correndo olhar. Ele a ajudou a se sentar na cama, acontece que mamãe não lembrava que estava doente, ela simplesmente tentou se levantar e seu corpo já não se aguentava mais sozinho, então ela caiu de boca no chão e quebrou os dentes. Eu me culpei tanto por isso, ver mamãe chorando quebrava meu coração e eu me sentia a pior pessoa do mundo por não ter ido mais rápido assim que ouvi o barulho, imagino que os minutos dela ali chorando no chão foram como uma eternidade pra ela que nem conseguia apoiar os braços no chão para se levantar.
Flashback off
Assim que meu pai chega com os demais no carro ele toma um copo de café e rapidam volta ao carro, dessa vez comigo e algumas vizinhas da vovó.
Chegando em minha casa, me deparo com uma fila de carros em sua frente, incrível ver como a família não se reúne em comemorações mas sim em velórios. Desço do carro vendo a namorada do meu irmão sentada no poço na frente de casa, me sento ao lado dela, sinceramente não lembro se eu estava quieta, eu costumava falar muito. Logo papai me chama e eu entro em casa me deparando com vários parentes por parte de mãe.
Lá está, no centro da sala de jantar encontra-se seu caixão com adoramos de coroas e velas ao redor, dentro está seu corpo frágil coberto até o pescoço com o rosto doendo de flores e uma pequena touca de cetim na cabeça que já se encontrava careca sem seus longos cabelos loiros que ela amava, seu rosto era magro e tinha uma aparência ressecada, em sua boca, nariz e ouvidos tinham algodões e ali me encontrei estaziada analisando o que eu via, meu pai para ao meu lado pensativo, queria poder tirar sua dor nessa hora, ela era sem dúvidas o amor de sua vida e isso deve doer muito.Os adultos passaram a noite toda velando o corpo e quando eu acordei pela manhã, Géssica, a namorada de meu irmão estava me esperando com meu sobrinho de onze meses para nos arrumarmos e tomarmos café da manhã. Eu queria por um vestido de evento rodado e rosa, mas Géssica disse que eu passaria muito calor no cemitério, então ela me vestiu com um vestido branco com estampa de frutas, alças de flores e um laço em sua cintura, mamãe o havia feito para mim ela mesma, seu hobbie era esse.
Na frente de casa encontravam-se mais carros que na noite anterior e um ônibus também, pronto para levar a família ao velório, eu entro em um carro com minha tinha minhas duas primas, Larissa e Alice, elas me olham com pena e minha tia mery nos da um Bebelu de anjo para cada.
Seguimos ao cemitério, minha família toda andando junta ao redor dos homens que carregam o caixão.Chegamos a sepultura fico um pouco de longe ao lado da minha madrinha, em baixo da sombra de uma árvore, tomando Coca cola no saquinho e olhando descerem o caixão enquanto meu irmão chora desesperadamente na beira da sepultura. Consigo entender seu desespero, afinal, ali ele estava se despedindo da única pessoa que estava no mundo por ele.
Eu me sentia mal por não ter chorado ainda, mas acho que eu tinha meu próprio jeito de lidar com isso, aos oito anos eu ainda acredita a em paraíso no céu e inferno em baixo da terra. Não existiu uma pessoa que já tivesse falado mal de mamãe, pelo contrário, todas as pessoas que me falavam dela, sempre falavam da pessoa maravilhosa e boa que ela foi, sempre ajudando a todos. Então eu tinha certeza que ela tinha ido para o paraíso e que era uma viagem longa, mas um dia eu viajaria e a veria de novo, esse era meu jeito de lidar.
Notas da autora
Não acho que alguém vai ler isso, mas lembre-se, não é uma fanfic e sim minha história real retratada aqui do ponto de vista de uma pessoa que tinha oito anos
VOCÊ ESTÁ LENDO
it's my life
General FictionQuerido diário, sou vou escrever aqui o que eu lembro da minha vida e as coisas que se passam na minha cabeça. Não é um livro muito menos uma fanfic, é só a minha forma de escape.