Neglected

Prólogo

Saiu de seu quarto no sótão para procurar uma caneta em bom estado, já que a que ele pretendia usar, estava falhando. Desceu até o primeiro andar, onde fica o antiquário de Trowalt e procurou por alguma caneta na gaveta do balcão de atendimento, sabia que o mais velho mantinha algumas em estoque caso precisasse.

Assim que conseguiu o que queria, subiu as escadas calmamente, segurando-se no corrimão frio. Adentrou a cozinha, deixou a caneta sobre a bancada central e encheu uma xícara com café recém passado.

— Como tá indo com o livro? — o loiro perguntou-lhe.

— Ainda não comecei, a caneta que eu tinha não 'tava funcionando e precisei pegar uma das suas de reserva. — bebericou o líquido amargo e quente. Ah, como amava um bom café. — E também, não sei como vou começar, mas dou um jeito.

— Tem certeza que vai fazer isso? — ali, Kanghoon sabia que ele não se referia ao livro.

— Tenho. 'Tá bom, quase. Uns noventa e nove por cento de certeza, acho que já vivi coisa o bastante no momento.

— Você só tem sessenta e — a frase acabou ali, Trowalt ouviu a risada baixa do asiático.

— Sou um idoso jovem para os humanos e praticamente uma criança pequena para os vampiros. Qualquer um diria que ainda é cedo, mas eu sei o que eu faço. A única coisa que eu preciso é que você se mantenha "vivo" e cuide do local.

— Mas como você acha que vamos ficar com você ausente?

— Vocês vão ficar bem. Vai ser como se eu nunca tivesse existido, porém, no fundo, vocês vão saber que eu ainda vou estar lá. E eu não vou para sempre, 'cê sabe disso.

Trowalt apenas balançou a cabeça confirmando e Kanghoon encheu a xícara novamente, pegando a caneta e saindo da cozinha. O corredor que dava acesso às escadas para o sótão era iluminado pela luz do sol. Era um dia nublado, o céu em tons de branco e cinza e a ventania que atingia as árvores lá fora fizeram ele ficar na frente da janela por alguns minutos. Eram 8 da manhã.

Assim que entrou, posicionou a porcelana sobre o vidro da mesa, clicando no touchpad do notebook, fazendo a tela iluminar. Queria ouvir alguma música do grupo o qual fez parte há mais de 30 anos atrás e sorriu ao ler no visor as informações: Reproduzindo agora > 'What If' - SUPER JUNIOR.

Sua própria voz ecoou pelo cômodo segundos após a introdução melódica e ele sentou-se, pensando na ironia de ter tocado justamente aquela música quando ouviu o segundo verso, também cantado por ele. "Dói mais hoje do que ontem" foram algumas palavras que ouviu em sua língua materna. Certo, aquela música nada tinha a ver com o que ele estava passando, mas aquele verso específico o descrevia.

Decidiu focar no que deveria estar fazendo, então enquanto ouvia as vozes de seus familiares e antigos companheiros de grupo, se pôs a escrever.

Dedicado a qualquer um que tenha curiosidade sobre mim.

PS.: podem achar besteira, mas quero advertir que irei tocar em tópicos sensíveis em certos momentos. Como alguém que tem transtornos e doenças psiquiátricas, procuro sempre ter responsabilidade com a saúde mental de outros.

Sua escrita foi deixada de lado quando ele ouviu batidas na porta.

— Ei, bora sair e fazer alguma coisa? — o homem de longos cabelos cacheados e olhos cor de avelã falou ao enfiar o rosto no quarto.

— Essa hora? — questionou, fazendo uma careta.

— Pelo que eu 'tô vendo, você também tá sem sono. — "ele tem um bom ponto", pensou. Realmente era horário de dormir, mas ele estava ali escrevendo e se distraindo com coisas aleatórias. — Vem logo, Lavi e Cam estão esperando lá fora, acho que se Lavender ficar mais um segundo lá fora com o Trowalt torrando a paciência dela, ela o mata. — comentou Domênico, fazendo ele gargalhar.

— Tudo bem, espera aí. — pausou a música e bebeu rapidamente seu café. — Vamos. — disse, fechando a porta e descendo as escadas com o amigo, rindo ao ver a cara embravecida de Lavender; e Camellia olhando para os dois como se implorasse por ajuda.

"É, vou ter que deixar pra contar minha história mais tarde", foi seu pensamento antes de ir até suas amigas saber o que aconteceu.