Capítulo um: De volta á Campos.

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Isadora

De pé, frente a porta de desembarque, eu analisava todas aquelas pessoas em suas bolhas familiares e em seus dilemas particulares. Alguns choravam reencontrando seus entes queridos que não viam a anos, outros riam descontroladamente ao encarar alguém que não viam a três dias, outros apenas saíam sozinhos e com pressa.

Minhas mãos soavam frias, não havia evento no ano que me fizesse estar mais ansiosa do que a chegada da minha irmã. Não nos viamos a quase um ano, quando Elisa decidiu que a melhor opção naquele momento era seguir seu sonho de morar na Argentina e cuidar dos negócios da fábrica no exterior.

A melhor opção pra ela.

Não a julguei em nenhum momento, eu no lugar dela também iria sem olhar para trás. Não por amar menos minha família ou desejar viver distante de todos.

Eu desejava viver longe do Matias, nosso pai.

Certo dia, vi um vídeo no tiktok onde alguém dizia ser o irmão mais velho que sai da casa onde vivia com pais tóxicos e logo, o irmão mais novo que fica, passa a ser o alvo. Era exatamente naquela situação em que passei a me encontrar após sua mudança para a Argentina.

Meu pai era um homem estúpido por natureza, protegido pela sociedade que o respeitava em seu posto de juiz. Não importavam quantos boatos de agressão á esposa se espalhavam pela cidade, ele era somente um homem que sofria com as invenções de fofoqueiros. Não importavam quantas denúncias eram feitas pelos colégios onde eu estudava, alegando ao conselho tutelar que eu sofria agressões em casa, era somente uma garota desobediente que merecia ser corrigida.

Aos meus oito anos de idade, Violeta decidiu se separar depois de ter tido uma das brigas mais horríveis a qual eu e Elisa haviamos presenciado. Nos mudamos para a fazenda dos nossos avós e apesar de nos imaginarmos finalmente livres do maldito, foi exatamente o contrário. Matias lutou até a última instância para nos infernizar, nos deixou na última lona e sem contar as inúmeras ações judiciais para tentar nos tirar da ex esposa.

E ele consegiu.

Por um ano fomos obrigadas a viver com ele, ou melhor, com a nossa babá Augusta. Era ela quem passava vinte e quatro horas por dia a cuidar de nós, enquanto Matias vivia a se enfurnar no cassino ou em eventos da alta sociedade que usava pra se provover. Por algum motivo, eu e Elisa passamos a ser invisíveis pra ele, ao contrário do que era quando viviamos como uma familia, onde ele parecia adorar chegar em casa e encontrar algum motivo para nos humilhar ou agredir uma de nós.
Talvez não fosse cair muito bem para sua atual imagem de pai solo dedicado e amoroso, ter que me trocar de escola outra vez por conta denúncias derivadas dos hematomas que costumava deixar na filha mais nova.

Crianças tendem a se machucar brincando.

Até o dia em que misteriosamente nos devolveu para nossa mãe sem nenhum motivo plausível. Apenas acordamos em um dia aparentemente normal, com nossas malas na sala e Augusta em pé próximo a porta. A questionamos sobre o que estava acontecendo e nem mesmo ela sabia nos explicar, mas estava certa de que era o correto a ser feito. Acatar as ordens do Doutor Matias.

Violeta estava com um quadro de depressão grave por conta dos últimos acontecimentos, meus avós haviam falecido a quase dois meses por conta de uma epidemia de sarampo na vila, as chances de recuperar a guarda das filhas eram quase nulas e fora os boatos que circulavam na cidade que manchavam ainda mais a imagem dela.

Minha tia, Heloísa, foi quem segurou toda a barra em casa com a nossa chegada. Ela quem tinha que dar conta dos negócios da família, dos cuidados da minha mãe doente e com duas crianças que precisavam de amparo.

O Mágico e eu 🦋Onde histórias criam vida. Descubra agora