Uma noite incomum

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Um barulho incomum invadiu meus ouvidos, como se alguém estivesse chiando propositalmente dentro do meu quarto. Começou baixo, atrapalhando meu pesadelo usual onde, toda vez, estou de volta à sala de aula, tentando encontrar uma resposta para a professora de química, e ludibriá-la com minha falta de conhecimento no assunto.

"Maldito ensino médio e seus traumas eternos..."

Meu sono, que já não é lá essas coisas. Começou a ficar cada vez mais raso. "Shhiiushuiuiiu..." O som aumentava, ou eu estava despertando cada vez mais com aquele som irritante. Só poderia ser aquela velha carrancuda do apartamento 71, que tinha mania de ficar chamando os gatos da rua pela janela. Tenho certeza de que, se os gatos falassem, mandariam ela se ferrar!

O som estava me deixando maluca, fazendo-me girar na cama de ponta a ponta. Decidi que aquilo não me atrapalharia mais. Não permitiria mais uma noite mal dormida por um barulho qualquer. "Shhiiuushiusihiiu..." Um irritante e insistente barulho, mas apenas um barulho.

- Merda!

Virei para o lado e abri os olhos com dificuldade. A remela grudada nos cílios dificultava a abertura. Forcei para focar a visão em direção ao velho rádio relógio disposto na minúscula mesa de cabeceira. Afinal, naquele apartamento velho e pequeno não cabia nada.

- Puta que pariu!

Eram três da madrugada e eu me questionava o que minha vizinha poderia estar fazendo chamando gatos pela janela a essa hora. Estava decidida a levantar e berrar em direção à sua janela, mas um frio na espinha me deteve.

"Shhiiuuiiuiuui..."

Aquele desagradável chiado estava vindo de dentro do meu apartamento.

Ergui a cabeça e virei para a porta do quarto, que estava aberta, na esperança de ouvir o barulho com mais atenção.

Meu coração acelerou e um arrepio se espalhou rapidamente pelo meu corpo, dando um soco frio no meu estômago. Aquela merda de barulho estava dentro do meu quarto! Automaticamente, me coloquei em posição fetal e certifiquei-me de que todo o meu corpo estava coberto pelo edredom.

Dediquei mais atenção aos meus pés, afinal, se fosse um espírito vindo me pegar, a primeira coisa a proteger são os pés. Todo mundo sabe disso, certo?

O tamborilar do meu coração dificultava minha tentativa de descrever o que poderia ser aquilo. Apertei os olhos e ainda encolhida em meu esconderijo, comecei a dedilhar opções do que poderia estar fazendo aquele som. Em uma tentativa vã de acalmar meus batimentos cardíacos, falei baixo comigo mesma.

Seria um espírito? Encolhi ainda mais os pés, começando a dar câimbra nos dedões.

Ou um assassino com um toque estranho de assoviar de maneira silenciosa enquanto se prepara para atacar sua presa? Um calafrio percorreu meu corpo, mas não resisti a uma curva nos lábios, imaginando a cena.

Arregalei os olhos, espantando qualquer rastro de remela que pudesse haver.

Seria minha desequilibrada vizinha dentro do meu desprezível quarto?

Imaginar essa cena me causou mais medo e paralisia do que imaginar um assassino. Pelo menos com um assassino, se ele cumprisse seu papel, eu não precisaria acordar às seis horas da manhã para pegar um ônibus lotado em direção ao hospício que chamo de trabalho. Mas se fosse a dona Clemência, eu teria sérios problemas, como ter que deixar esse cubículo de apartamento para ela e morar embaixo da ponte. Eu me recuso a lidar com esses tipos de psicopatas.

"Shhiiuuiiuiuui..."

Lá estava ele novamente. O som cortante que me acordou e me maltratava naquelas horas. Me obriguei a virar de barriga para cima, ainda dentro do meu casulo. Fechei os olhos para tentar escutar melhor, afinal dizem que ao se desfazer de um sentido, outro fica mais aguçado. Notei que o som estava muito próximo da minha mesa de cabeceira e era intermitente. Então, ou o tal assassino/espírito tinha sérios problemas psicológicos, ou realmente era a velha louca. Inspirei e expirei profundamente.

Uma Noite IncomumOnde histórias criam vida. Descubra agora