Dias atuais...
Ela acorda em meio a cadáveres. Ao menos, é o que lhe parece, com o fedor excruciante de carniça invadindo suas narinas. Move os dedos das mãos e dos pés, como se estivesse testando se seu corpo ainda funciona. Nesse momento, sente seus membros largados e em posições aleatórias, como se algo a tivesse arremessado e ela simplesmente tivesse permanecido ali. Há uma sensação estranha sob sua pele, algo molhado e grudento que se fixa nela conforme se move.
Abre abruptamente os olhos quando a bile ameaça subir à sua garganta, e eles rapidamente queimam ao serem atingidos pela luminosidade, o que a faz tapá-los com as mãos. Tenta puxar uma respiração, mas começa a tossir de modo descontrolado, sentindo como se estivesse engolindo aquela carniça terrível, forçando-se a se sentar enquanto os impulsos fortes das tosses a curvam até que, finalmente, ela pare. Nesse momento, percebe que os "cadáveres" eram, na verdade, um amontoado de sacos de lixo e detritos sob os quais se encontrava.
Analisa o cenário, atordoada. Seus olhos tentam se fixar em qualquer coisa, até mesmo no líquido estranho que escorre por alguns daqueles sacos, mas é como se tivesse repentinamente desenvolvido um grau elevado de astigmatismo.
Muita luz. Pura vertigem.
No entanto, por mais que seus olhos não estejam exatamente a seu favor, seu corpo se encontra em estado de vigilância. Ouve sons de carros não muito distantes; um ou vários grupos de pessoas andando para todos os lados e imersas em suas conversas; pássaros cantarolando canções de bom dia. Tudo isso cria uma sinfonia caótica, mas ainda assim, é uma melodia familiar.
Olha para os lados, certificando-se de que está segura. Percebe que está em um beco estreito que comporta apenas aquela atrocidade fedorenta de lixos, com um pequeno espaço para que as pessoas se locomovessem. Algumas memórias vêm à tona: havia caminhado por esse mesmo beco na noite anterior, numa escuridão atordoante, e se deitado sobre aqueles sacos de lixo para buscar um refúgio do frio. Normalmente, teria pensado melhor, sido mais estratégica do que realmente foi ao se servir de bandeja para qualquer um que passasse por ali, que pudesse vê-la e ousasse fazer algo realmente ruim.
A ficha sobre sua realidade cai, e seu peito se aperta em descontentamento, pois ainda há uma esperança de que essa não seja sua vida, de que não precisa viver como uma miserável apenas para não acabar morta como ele. De qualquer modo, não consegue conter a fúria consigo mesma por ter permitido adormecer em um lugar tão exposto, quando tudo o que vem fazendo nos últimos meses é fugir e sobreviver. Mas ela sabia. Sabia que, depois de tanto tempo correndo, iria desejar fazer algo imprudente, como se não fosse quem realmente é, como se dormir numa caçamba de lixo fosse o mais próximo que já esteve da normalidade.
O fedor de chorume está espalhado por cada parte dela, e se permite aceitar que essa é a sua normalidade agora. Sua barriga ronca violentamente, e a fome dói. Fecha os olhos, tentando pensar no tempo que está sem comer.
Um... dois... três dias, e isso se estiver acompanhando o tempo da forma correta. A busca contínua por sobrevivência a fez quase perder a noção do mundo. De si mesma.
Quando sua vista finalmente se ajusta à claridade, se joga de cima da caçamba, e suas pernas fraquejam quando os pés atingem o chão. É obrigada a se encostar na parede ao lado, e é ao se mover assim que percebe o quanto suas roupas parecem tão mais largas. Um pequeno pedaço quebrado de espelho está ao seu lado, e o reflexo que vê nele em nada se assemelha a quem um dia foi. Olhos com profundas olheiras, boca pálida e machucada pela desidratação, pele estranhamente amarelada, os ossos faciais mais proeminentes.
Abaixa a cabeça e respira fundo, exatamente como aprendeu a fazer para melhorar a pressão sanguínea. Permanece assim por alguns poucos minutos, enquanto um plano começa a ganhar vida em sua mente. Dessa vez, precisaria se arriscar, pois se continuar assim, teme que está se matando, não sobrevivendo.
Ela sabe bem o que fazer. E bem, é uma péssima ideia.
Notas Da Autora
Primeiramente, eu gostaria de dizer que não faço ideia do que estou fazendo.
Depois de anos (literalmente) sem publicar nada, é uma sensação estranha estar aqui publicando Despertar. É como se eu estivesse tentando voltar a uma parte da minha vida que sei que já se foi. Basicamente, é aquele momento em que nos sentimos impostores da nossa própria história, mas ainda assim, queremos continuar com ela.
Sendo impostora ou não, estou aqui para publicar essa história e ver o que acontece. Kkkk
Despertar é diferente de tudo o que já escrevi, algo completamente fora da caixinha, e é curiosa a maneira em que ela simplesmente nasceu na minha mente totalmente sem pé nem cabeça e se tornou o que vocês irão conhecer daqui pra frente.
Como escritora, mas também como leitora, quero dizer a vocês que sou insuportável e exigente quando se trata de leitura, e se eu digo que Despertar tem potencial pra ressoar de alguma maneira ou outra em quem ler, acreditem em mim, a bichinha tem mesmo.
O meu intuito daqui pra frente é fazer vocês esquecerem que existem. Se joguem nessa loucura, e claro, boa leitura.
Muitíssimo obrigada a quem leu até aqui! Nos vemos em breve <3
Twitter: @MysterJJK
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Despertar
Romance"Com um passado como agente secreta, a vida de Hadria Lyndale poderia ser comparada com aqueles mais malucos filmes de ação. Cada escolha de Hadria a colocava em consequências e circunstâncias que desafiava até mesmo sua própria identidade, isso se...