Capítulo 7 - Papo de Bar e Versos Não Ditos

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O bar não era grande, nem bonito. Na verdade, era um boteco apertado, com chão de azulejo gasto, paredes cobertas de cartazes antigos e um letreiro de néon piscando na entrada. Mas naquele canto de São Paulo, era o ponto de encontro favorito da galera da batalha. E naquela noite, parecia que todo mundo resolveu passar por lá.

Eu entrei ao lado de Levinsk e Brennuz, e imediatamente o som do pagode no fundo misturado ao cheiro de cerveja e fritura me atingiu. Era caótico, quente, cheio — e perfeito.

— Esse lugar fede a história, tá ligado? — disse Levinsk, apontando para uma mesa no canto. — Aqui já rimou mais MC do que a gente consegue lembrar.

Nos sentamos. Eu no meio, com Levinsk de um lado e Brennuz do outro. Logo chegaram dois copos de refrigerante e uma porção de batata frita que serviu de desculpa pra ficar mais tempo ali.

Enquanto mastigávamos e conversávamos sobre batalhas antigas, assuntos foram surgindo naturalmente — arte, infância, dores, sonhos, risadas.

— Teve uma vez — começou Brennuz, com o sorriso já se formando antes da história — que fui rimar na batalha da ponte e esqueci o fone. Fiquei desesperado.

— E daí? — perguntei, curiosa.

— Daí que fui rimar no beat... da buzina de um caminhão que tava ali parado. Juro. Toda vez que o maluco apertava, era minha deixa.

— Cê tá zoando! — falei entre risos.

— Juro por tudo! Fiquei conhecido como o MC da buzina por um tempo.

Rimos tanto que até as pessoas na mesa do lado olharam. Era esse tipo de leveza que eu sentia falta. A sensação de pertencimento, de estar entre iguais, sem precisar fingir força ou esconder cansaço.

Levinsk, depois de beber um gole do copo, olhou pra mim.

— E a facul, como tá?

— Pesada — confessei. — Tô estudando transtornos de personalidade e tudo parece me sugar. Às vezes me pergunto se vou aguentar ir até o fim.

— Vai sim — disse ela, com firmeza. — Tu é foda. Sempre foi.

— A parada da mente é que a gente vive tentando entender os outros... mas esquece que a gente também precisa ser entendida — disse Brennuz, encostando no encosto da cadeira. — Eu mesmo, quando comecei a rimar, nem sabia que era meu jeito de pedir socorro.

As palavras dele me atingiram fundo. O silêncio entre nós não foi desconfortável. Pelo contrário, era denso, cheio de respeito. Estávamos ali, três pessoas com mundos internos diferentes, mas unidos por um ponto em comum: a necessidade de se expressar.

— E você, Brennuz — comecei — quando não tá rimando... faz o quê?

— Faço oficina de rima com os moleques lá do bairro. Ensino umas parada básica de flow, métrica. Tento fazer eles entenderem que rima também é revolução.

— Que da hora — falei, admirada. — Você ensina?

— Tento — disse ele, coçando a nuca. — Às vezes, só ouvir eles já muda tudo. Tem moleque que nunca teve quem escutasse o que ele sente. Quando ele descobre que pode gritar com poesia... é libertador.

Levinsk assentiu.

— A rima salva. Literalmente.

Ficamos um tempo em silêncio depois disso, até que Brennuz pegou uma caneta da mesa e começou a rabiscar um guardanapo. Me inclinei pra espiar.

Era um verso.

"Entre becos e vozes, eu te vi sorrir.
No silêncio dos teus olhos, quis me descobrir."

— Isso é novo? — perguntei, surpresa.

— É... meio que surgiu agora. Às vezes, a inspiração bate do nada.

— Bonito demais.

— Obrigado. Quer guardar?

Olhei surpresa. Ele estendeu o guardanapo pra mim. Peguei com cuidado, como se fosse uma relíquia.

— Vou colar no meu caderno da faculdade. Juro.

Levinsk se espreguiçou e nos olhou com aquele sorrisinho de quem enxerga o que nem sempre é dito.

— Vamo nessa? Tá ficando tarde.

Nos despedimos da galera. Do lado de fora, a brisa noturna de São Paulo beijava nosso rosto com aquele ar urbano que mistura gasolina e sonho.

Caminhamos juntos até a estação. Cada um seguiria pra um lado, mas a sensação era de que algo estava se formando — uma amizade? Uma conexão? Um ciclo novo?

Brennuz parou ao meu lado antes de entrarmos no metrô.

— Ei, Aurora... se eu escrever uma rima sobre você... posso te mostrar depois?

— Só se for antes da próxima batalha.

— Fechou — ele sorriu.

E quando entramos no vagão, e as portas se fecharam, me peguei sorrindo feito boba, com o guardanapo dobrado no bolso da jaqueta e o coração cheio de novas palavras por viver.

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