O dia que eu acordei em 1921

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_ Está tudo bem?

Uma voz grave e bastante masculina me acorda. Eu só me lembro de ter fechado brevemente os olhos no sofá de espera do consultório do Dr. Eron, meu dentista, e aos poucos vou recobrando a consciência. O cheiro de cigarro, misturado com café e uma colônia amadeirada com leve toque de canela emanavam daquele ser que estava à minha frente. Eu ainda não havia aberto os olhos direito, mas sabia que aquele lugar não era mais o sofá de espera do meu dentista, e aquele certamente não era o Dr. Eron.

_ Sibye? - A voz disse esse nome antes que eu conseguisse olhar pra ele.

_ Sibye? Quem é Sibye? - Fechei os olhos - Calma... Buster? - Caí pra trás.

Como poderia ser ele? Um homem que morreu há mais de 50 anos estava na minha frente? E quem era Sibye? Eu me afastei dele, sem levantar-me da cadeira. Percebo que aquele jovem de minha estatura também se afasta levemente de mim, parecendo confuso. Ele vestia apenas uma regata clara, e seu rosto estava branco, pálido, maquiado com uma forte camada de pankake e com o que já foi uma lembrança de batom preto em seus lábios.

_ Quem bate a cabeça sou eu, mas quem perde a memória é você! - Diz ele, tentando me fazer sorrir, como se estivesse realmente acreditando que eu era essa tal Sibye.

_ Como assim? Eu não... onde eu estou?

Ao perceber meus sinais de confusão, ele volta a soar mais sério, ainda sem acreditar em mim, achando que eu estava fazendo algum tipo de piada.

_ Estamos no seu camarim, Sibye. Quer que eu peça a camareira pra te trazer uma água?

_ Camarim? - Eu olho para os lados na busca sem sucesso de algo que fosse familiar - Que dia é hoje? Que ano a gente está? - Eu realmente estava começando a duvidar da minha própria identidade.

Minhas perguntas fizeram aquele homem que era cópia do Buster Keaton arregalar os olhos, confuso. Fechei os olhos, a enxaqueca veio forte, como se eu tivesse tido uma ressaca horrível. Eu não me lembro de ter bebido ou usado drogas naquele consultório, nada daquilo fazia sentido e eu estava começando a desacreditar de minha sanidade.

_ Calma. Olha, hoje é terça-feira, dia 30 de junho de 1921. Tudo bem? Está se lembrando agora?

_ Tudo bem? Eu estou... espera aí... 1921? - O dia e o mês estavam corretos, mas havia algo errado com o ano. Começo a gargalhar, desacreditada daquelas palavras - Ok, Agora eu entendi! Essa foi boa, pessoal. Colocaram alguma coisa na minha bebida? Sabe, eu sei que eu sou meio ingênua, mas essa piada foi até engraçada. Onde está a secretária que me ofereceu água?

Eu esperava que ele sorrisse pra mim e apontasse as câmeras, mas, ao contrário, continuou sério e ficou ainda mais confuso comigo.

_ Acho melhor eu chamar um médico. Você não está bem! - murmurou, quebrando aquela rápida pausa.

_ Ah, vamos lá! Onde estão as câmeras? Deve ser coisa do Max, certeza! Onde ele está? Atrás daquela porta?

O silêncio novamente tomou conta do lugar. O seu semblante sério não se parecia com alguém que estava tentando me pregar uma peça, inclusive ele até ficou desconcertado com aquela situação. Em um rápido movimento, eu me levanto daquela cadeira percebendo o óbvio: aquilo só poderia ser um sonho. Certamente é um sonho! É isso! Eu acho que aquela água que bebi no dentista deveria ter algum remédio pra eu dormir. Começo a gargalhar ainda mais, como uma mulher histérica. Eu olho para as minhas vestimentas, me vejo no espelho, a maquiagem branca, o vestido xadrez, a meia calça preta, o cabelo curto encaracolado...

_ Você quase me pegou, querido cérebro! - Falo para o espelho - Sabe, até que estou gostando desse sonho! - Penso, olhando para cada detalhe daquele camarim.

As luminárias antigas, o metal preto da cadeira, as cores desbotadas na parede. Tudo era real, o camarim era ... MUITO real. Real até demais. Viro-me para Buster, em agora seus olhos estavam ainda mais arregalados e de cenho enrugado com tudo o que eu estava expressando naquela tentativa falha de buscar uma explicação para aquilo.

_ Eu vou chamar um médico, tudo bem? Vai ser melhor. - Buster fala e faz que vai sair do camarim quando eu agarro seu braço rapidamente. Sinto o calor da sua pele, os músculos e vejo seus olhos irem de encontro ao meu, como quem pergunta timidamente "o que está acontecendo?"

_ Por favor, apenas me responda algumas perguntas, - Eu murmuro, soltando seu braço e levando minhas mãos até minha testa. Agora estou sentindo uma leve dor de cabeça, parece até que está diminuindo. Já que aquilo tudo não fazia o menor sentido, pensei em ao menos tentar entender o que estava acontecendo - quem você acha que eu sou?

Ele respira fundo e vira seu corpo em minha direção. Olha para o chão, buscando as palavras, com medo de eu ainda assim não me recordar de nada. Mas mesmo com as dúvidas, ele começa a falar.

_ Você é Sybil Seely, atriz, em torno de 20 anos. Estamos filmando nosso primeiro filme juntos, One Week. Agora se lembra?

Eu deveria me lembrar. Sim, eu deveria. Nessa hora eu tinha duas opções em minha frente: entrar em desespero com tudo aquilo, longe da minha família, do Max, nossos gatos, e piorar toda a situação em busca de uma solução que claramente faria com que todos me achassem uma louca. Ou entrar de cabeça naquilo tudo e fingir que eu sabia exatamente o que estava acontecendo, enquanto busco respostas sem alarmar ninguém.

_ É, talvez a segunda opção seja a menos pior - Pensei alto, mas assim que percebi, já era tarde.

_ Segunda opção? - Buster me olha, confuso.

_ Não, nada! Agora estou me lembrando. Acho que, realmente, você bate a cabeça e quem se esquece das coisas sou eu! Ha-há!

Tento fingir tranquilidade, e pelo que percebo, Buster até parece acreditar um pouco em mim. Ele até mesmo finge dar uma risadinha com aquilo.

Mas agora eu estava presa naquela situação e eu precisava sair daquilo o mais rápido possível.

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⏰ Last updated: Aug 09, 2023 ⏰

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O dia que eu acordei em 1921 - e conheci Buster Keaton!Where stories live. Discover now