Capítulo 1: O vazio e o ponto

13 2 0
                                    

  Era uma vez o vazio que acidentalmente foi preenchido. O vazio tinha um nome arbitrário e se chamava...
  Bem, ele se chamava do que você quiser que esse vazio se chame.
  Assim que o vazio foi preenchido por um ponto acidental - sim, um ponto como o ponto final -, o vazio ficou enlouquecido. Ouvia vozes de lamento do ponto que ecoava por todo seu vazio se questionando sobre como tudo poderia ser possível. Questões sobre universo, formas e tudo que para si nunca precisou ter sentido.
  O vazio era calmo, o vazio era infinito. Se nele existissem palavras, ele então seria descrito como tranquilo. Um monge então a meditar teria inveja do seu vazio. Agora no entanto, poluído.

  Era uma vez um ponto. Ele era assim, rebelde e pequenino. Gostava de travar palavras e fazer argumentos sem sentido. Ele habitava no meio de conturbações e por isso vivia sempre perdido.
  O ponto às vezes ficava cansado. Errava e errava os finais de muitas falas. Colocava a culpa na vírgula, mas sabia que no fundo era ele quem deveria estar lá presente para fazer do mundo um lugar mais coerente.
  O ponto vivia irritado. Não entendia como e nem quando; só fazia seu trabalho.
  Um belo dia o ponto caiu. Não em outro texto, não em outro pensamento. Não sabia como - porque ele não tinha pés, mas caiu dentro de um vazio.

  Era uma vez um ponto e um vazio. Eles brigavam e brigavam. Uma guerra sem fim.
  O vazio obviamente só queria estar sozinho e o ponto naturalmente sem saber o que queria, se aproveitava de todo aquele vazio.
  "Seu lugar não é no meu vazio! Você precisa sair e voltar ao mundo para que tudo isso seja esquecido."
  " Mas agora que estou aqui, você não é mais um vazio. Está preenchido! Não sei o que é agora, só sei que não é mais um vazio."
  O ponto no meio de uma das brigas percebeu que tudo o que sentia antes não mais o incomodava. Não tinha mais tarefas infinitas e muito menos falas erradas. O ponto estava feliz e por isso ele cantava:
  " Sempre fui um ponto a mais e agora sou um ponto a menos. Quem ousar começar vai sentir a minha falta, pois não vou estar lá para terminar; quem ousar começar vai sentir a minha falta, pois eles não lembram do ponto final quando começam a amar."
   O vazio, no entanto, percebia a cada novo momento que não sentia mais frustrações pelo ponto. Sentia-se triste, achava que esse deveria ser o nome da emoção. Não tinha mais identidade, não sabia o que era; talvez devesse aceitar sua nova condição e deixar o ponto habitar seu vazio, se assim ele quisera.
  O tempo poderia ter passado, mas o tempo nunca no vazio havia habitado. O ponto, por conseguinte, ficava muito entediado. Tentou de tudo para fazer do vazio seu amigo, mas o vazio sempre o observava de longe.
  " Por que você não cede um pouquinho? Vamos! Podemos fazer o que quiser com todo esse vazio!"
  " Eu achei que apenas você pudesse desfrutar. Eu já nem sou mais assim, sabe? Vazio."
  O ponto não percebeu, mas seria difícil alguém em qualquer tempo que habita ter percebido. O vazio cada vez mais preenchido. Preenchido de pensamentos, preenchido de memórias, experiências, de sentimentos?
  O vazio tinha um nome arbitrário e você podia chamá-lo do que quiser. Tudo menos vazio. Procurou seu ponto - sim, o S E U ponto-, para avisar sua nova identidade, contudo, o ponto havia partido. Sem despedidas, e essa é uma das palavras que com ele havia aprendido.

  O ponto sem saber o motivo, acordou em meio ao caos. Palavras soltas e sentimentos perdidos. Nunca achou que sua falta poderia arruinar completamente até aqueles que ainda não haviam nascido.
  " Preciso realmente voltar, preciso ajeitar tudo para que os problemas do mundo sejam resolvidos." 
  O ponto calmamente entrou em jogo separando ideias enquanto lembrava estar em todo aquele vazio.
  Em ritmo frenético separava as pausas e finalmente compreendia até as falas absurdas. Falas como a sua:
  "Ao menos agora o vazio está feliz por realmente eu ter partido. Agora o vazio poderá voltar ser realmente um vazio."
 
  Não é uma história triste, mas sim sobre os preenchimentos verdadeiramente absurdos. O ponto segue feliz fazendo muito mais do que pausas, mas também vendo os vazios sendo preenchidos. E o vazio? Bem, o vazio não voltara ou voltará a ser vazio. Com tantas memórias, falas e sentimentos... o ex-vazio era um mundo inteiro de imaginação. Criou seus próprios pontos problemáticos e para todos eles ensinava que o S E U ponto também estaria por aí aprontando das suas e sendo incrivelmente exato.
 

Histórias de Era uma vez Onde histórias criam vida. Descubra agora