Era uma vez uma lagarta verde com semicírculos dourados em seu tronco que habitava num desses quintais de vó em uma cidade grande. Você sabe como são os quintais de vó?
Os quintais de vó - principalmente esses da cidade grande -, são devidamente cuidados e trajados com os mais diversos tipos de frutas e plantas medicinais. Sem falar da babosa; essa daí faz parte da família há muito mais tempo que qualquer outra semente que possa ser jogada naquele solo. Logo, a lagarta pensava, era incrível poder viver num quintal de vó.
Tarde vinha e ia. O sol se punha e a coruja despertava, pequenas observações da pacata lagarta. Contudo, alguns se confundiam ao visitar o quintal.
"Sua vida é monótona ao final!" Disse a andorinha antes de levantar voo em direção ao vento.
"Minha vida não é pacata. Eu gosto daqui, por que todos insistem em dizer o oposto?"
Um belo dia a lagarta avistou uma borboleta toda colorida pousar graciosamente em sua frente.
"Boa tarde, dona lagarta! Você não parece muito ansiosa com sua transformação."
"Transformação? Do que está falando?"
A borboleta achou divertidíssimo a inocência da lagarta e riu em primeira instância.
"Um dia você será tão bela quanto eu e voará por lindos jardins... conhecerá mil flores."
"Mas eu não quero conhecer jardins e nem flores. Gosto desse."
Era incrível o amor da lagarta por aquele único quintal de vó.
"Você fala isso porque tem medo de voar. Tem medo do desconhecido."
Mais uma vez a lagarta não se deixou levar por outros pensamentos e continuava firme e forte com sua decisão de permanecer no quintal. Até o ponto em que a lagarta se viu dentro de seu casulo. Lá era triste e escuro; sem rodeios, a lagarta imaginou tudo que aconteceria ao voltar para o mundo.
Ganharia asas? Seriam coloridas? Quantos quintais de vó conheceria? Será que realmente era pacata? Será que teria medo de voar? Qual seria seu novo sonho? Qual seria seu papel a desempenhar?
O tempo inteiro que esteve dentro do casulo, a lagarta só sabia fazer perguntas, mas não conseguia a resposta para nenhuma delas. Na manhã em que desabrocharia, a lagarta estava mais ansiosa do que nunca. Só não sabia se positivamente ou negativamente.
Abriu os olhos e percebeu que já voava. Porém voava acima de um lugar que não se parecia nada com seu antigo quintal. Na verdade, esse lugar não se parecia com quintal algum que já houvesse ouvido falar. Contudo, lá havia muitas outras borboletas voando e voando sem parar. Todas eram lindas e todas sabiam onde estavam. A atual borboleta então começou a observar.
Lugar estranho, com paisagens diferentes. Não era a cidade grande mas lá havia gente. Gente sorrindo, ouvindo canções... se muito observasse podia-se perceber os padrões.
"Com licença, com licença! Alguma de vocês poderia me dizer onde eu estou?" A borboleta perguntou a um outro grupo de sua espécie. Tudo que conseguiu, contudo, fora se assustar com o grupo de borboletas que em uma fração de segundo desaparecera no ar.
Será que eu morri? A borboleta pensou. Quem sabe, até mesmo seja um sonho? Era horrível... voar e ter a sensação de estar caindo.
"Com licença! Você sabe onde eu estou?!" Perguntou novamente a borboleta com mais intensidade, medo e insegurança.
Antes que pudesse lhe responder, a borboleta que fora questionada também desaparecera. E logo, uma segunda e uma terceira. Afinal, o que estaria acontecendo?
A borboleta voou para longe das suas em direção a um alvoroço de um barulho muito louco. Parecia um tambor desritmado com pessoas dançando desengonçadamente fora do compasso. Entre um passo e outro casais eram formados. A borboleta encantada, chegou mais perto e avistou uma humana que de longe também a cena observava.
"Olá, dona borboleta." Com o rosto sorridente a menina saldava.
"Meus cumprimentos, adorável mocinha. Será que consegue explicar que lugar é esse e por que borboletas desaparecem? Borboletas com asas belas como as minhas."
"Oras, pensei que soubesse."
"Soubesse do que?"
"Embora um lugar colorido e animado você veio parar onde só as borboletas inseguras conseguem chegar. Aliás, bem-vinda à Terra das borboletas no estômago." A menina correu para longe do alvoroço e a borboleta não mediu esforços em lhe acompanhar.
"Eu não entendo! Como isso é possível?! O mais importante, como faço para voltar?"
A menina sentada em um banco de praça ficou completamente distraída por um músico tocando seu violão para sua amada.
A Terra das borboletas no estômago. Era um lugar que poderia se transformar em qualquer cidadela ou paisagem desse mundo. Pessoas de diversas culturas e sintonias. Todas elas terrivelmente apaixonadas com suas pupilas dilatadas. - Seria cômico se não fosse trágico -, apaixonados inseguros secretamente desejando o amor da pessoa amada. Mãos suadas que formavam as grandes tempestades ocasionais, coração acelerado que resultava em danças constantes sem ritmo algum por entre becos e esquinas, pupilas dilatadas que fazia um brilho especial aparecer no ar. Quase como se estivesse dando zoom a todo lugar que seu olhar pudesse encontrar e por fim, lindas borboletas no estômago que faziam do lugar uma linda atração.
Veja bem, apenas as borboletas inseguras desabrochavam ali. Aquelas que tinham incertezas sobre para onde voar e qual caminho seguir. E isso era decidido ainda em seu casulo; enquanto lagarta, no escuro.
Não era exatamente um mundo de caos, mas parecia algo que nunca faria realmente sentindo. Afinal, qual o ponto de se apaixonar se você só vive perdido?
"A mocinha não é muito nova para sentir borboletas no estômago?"
"Ora, não se engane - a menina respondeu de um sobressalto. - Estou aqui apenas para observar e consertar."
"Como assim consertar?"
"Consertar corações" - Houve uma pausa. - Alguém precisa impedir que o amor seja apenas uma ilusão. Alguém tem mostrar que o amor é mais do que uma mera paixão."
A borboleta cada vez mais surpreendida tinha ainda mil e uma perguntas a serem respondidas. Mil e uma perguntas novas para cada resposta que recebia.
"Então você está aqui em uma eterna missão?"
"Não pense que estou sozinha. Vocês borboletas me ajudam. A Terra é das borboletas no estômago por um motivo. Vocês ajudam um casal de afortunados a se encontrarem nesse mundão."
Como um exemplo perfeito, pôde-se observar o casal a frente (do violão e da moça a sorrir alegremente), sumir da Terra das borboletas no estômago num "Pop" veloz, assim, para sempre. Juntamente uma borboleta fazia o mesmo em algum lugar por perto. Um "Pop" no ar. E agora estava claro o que era preciso para a borboleta deixar aquele lugar.
"Uma última pergunta: os casais que saem daqui, eles vivem felizes para sempre?"
A menininha sorriu graciosamente e desviou o olhar para outro casal que acabara de chegar.
"Para sempres são relativos e futuros são inconstantes."
A borboleta não teve tempo de conhecer muitas crianças mas apostaria consigo mais tarde de que aquela seria a mais inteligente.
Precisava então formar um casal e colocar na receita um ingrediente especial. Amor sincero sem borboletas no estômago. Parecia até um insulto à sua espécie, mas achar isso não era parte da missão.
Buscou e buscou por diferentes paisagens. Tentou China, Canadá e até lugares estranhos que não se pareciam em nada com uma cidade (era estranho de se ouvir e mais difícil para acreditar que o mundo todinho coubesse na Terra das borboletas no estômago). A borboleta buscou pessoas de meia idade e jovens com paixões de primeira viagem. Era difícil, no entanto, achar o medley que transmitisse verdade.
Ah, mas eventualmente a borboleta encontrou o medley perfeito no mais tardar de um desses alvoroços. Você deve se perguntar como era esse casal que fez o "pop" da borboleta ser tornar real. Na verdade, foi talvez o pop mais trabalhoso dentre as borboletas. No final das contas, ela passou tanto tempo buscando que achou que nunca iria encontrar - tentou até pedir ajuda da menininha que ditara sua missão, mas essa por sua vez estava sempre longe e com outras borboletas para recepcionar.
Uma jovem italiana que esbarrou e começou um conflito com uma brasileira. A borboleta a princípio não tentaria entrar no meio desse conflito, mas por alguma razão acabou por participar.
A italiana era uma jovem jornalista e a brasileira estudava direito. Ambas discordavam de um assunto político que não fazia jus a borboleta. Elas tentavam resolver suas diferenças, mas só o fizeram quando descobriram seus inesperáveis sentimentos numa dessas viagens estudantis a Grécia. Teve muito choro, risadas e conflitos a apartar. Quem diria que tudo o que precisavam era uma dessas histórias clichês de cinema? A borboleta aprendeu em seu último encontro um pouco sobre o vinho italiano e a caipirinha do Brasil. Por fim, elas sumiram e logo a borboleta também iria as acompanhar.
Um belo dia voltou ao seu quintal e tudo parecia tão pequeno e pacato ao final. Voou atrás de outros quintais de vó finalmente e fez amizades com outras andorinhas e lagartas. Para todas contava sobre as duas meninas que em algum lugar ela conhecia tão bem. Elas não mais tinham borboletas no estômago e por isso de uma forma suntuosamente estranha a borboleta celebrava. Contava em especial sobre a missão incansável da menininha na Terra das borboletas no estômago. Ela fora sua primeira amiga. Tinha saudades, é claro, mas uma saudade que não trazia tristeza e sim liberdade. Dessa vez conheceria o mundo todo como ele realmente era em sua identidade.
Antes de partir, visitou novamente seu quintal. Uma nova lagarta verde com semicírculos dourados lá habitava.
"Olá, dona lagarta - a borboleta disse. - Está pronta para sua transformação? Se não estiver, diga olá a menininha que habita a Terra das borboletas no estômago. Ela vai estar lá pronta para te ajudar."
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Histórias de Era uma vez
ContoAs melhores histórias do mundo começam com era uma vez. Quando somos crianças, nossas histórias clássicas começam com essas palavrinhas mágicas. Então, para deixar o mundo mais leve precisamos de histórias que consigam descrever o mundo com outro ol...