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O fim do mundo se aproximava cada vez mais conforme as rodas do antigo Chevrolet Monza 1992 de meu pai percorria pela estrada até Phoenix. No banco da frente minha mãe me dizia alguma coisa que se tornava completamente inaudível pelos meus fones de ouvido no volume máximo reproduzindo The End Of The World da Skeeter Davis, era o mais próximo do que eu me sentia naquele momento: o fim do mundo. Minha cabeça deitada no banco de trás com meu corpo estirado sobre o resto estava levemente desconfortável, mas era a única maneira que eu achei de evitar olhar a vista lá fora e ter que encarar Phoenix tão de repente. Eu achei que nunca mais fosse ver nada disso mais uma vez.
A minha cabeça doía pelas diversas pílulas que agora eu era obrigada a tomar depois que meus pais me mandaram para o Hospital Mclean em Belmont - por uma tentativa falha de suicídio com vodca e diazepam - que se localizava do outro lado do país. Desde aquele dia eu havia me convencido de que fiz o que fiz porque queria ficar o mais longe possível de Phoenix, depois vasculhei motivos para odiar tanto a cidade em que eu morava e falhei. Certamente a pobre e ensolarada Phoenix não era o problema. Tentei me convencer de que era um ritual na vida de toda garota de 17 anos que estava com o peso do mundo sob as costas e tentava lidar com a solidão do ensino médio e problemas de validação e por isso era liberado tentar suicídio uma única vez, o que seria uma ótima desculpa se eu não tivesse acabado de completar 21 anos e ainda assim querer dar shows com cartelas de remédios e prontuários em hospitais psiquiátricos.
Minha psicóloga dizia que eu estava deprimida e que a minha tentativa - falha - não foi uma brincadeira de mal gosto, mas sim algo maior que nascera dentro de mim. Uma depreciação da vida que me fez apagar o brilho pela mesma. De qualquer maneira eu não costumava acreditar em mulheres loiras que possuíam cabelos muito abaixo dos ombros e cujo único traço de personalidade eram vestir um jaleco branco com um crachá escrito seus patéticos e impronunciáveis sobrenomes, que exalavam cheiro de farmácia e luvas de borracha. Por isso eu a ignorei. De qualquer forma eu tentava pensar em algo bom diante a situação péssima em que eu era mantida, como imaginar que eu perambulava pelos mesmos lugares por onde Sylvia Plath já esteve. Essa ideia fazia eu me sentir menos... desamparada.
A música em meu ouvido se afasta e o choro de minha mãe é exalado por todo o carro que agora não andava mais, droga, Phoenix tinha chegado até mim. Já era a quarta vez que as lágrimas desciam pelo rosto de minha querida progenitora somente naquelas lamentáveis horas de viagem. Me mandar para Belmont deveria ter custado uma grana das boas da qual meus pais não tinham, eu me sentia mal por isso? Não. Eu me sentia mal por muitas coisas mas não por isso, aquelas foram praticamente as minhas férias de verão que eu nunca tive a vida toda. Foi como atravessar a cerca do jardim e descobrir um mundo novo, mesmo que ele fosse cercado por quatro paredes e cheia de pessoas piores do que você.
- Por que você simplesmente não consegue ao menos fingir que se importa? - a voz chorosa de minha mãe implicava comigo e essa era uma pergunta interessante, eu não conseguia me importar mesmo.
- São os remédios Denise, a médica nos avisou que ela estaria despercebida - agora meu pai falava com sua voz surpreendentemente mais apática do que eu, ele sabia ser como ninguém.
- Não, não é. Ela sempre agiu assim, prepotente. Isso não é justo.
Se eu pudesse revirar os olhos e me certificar de que eles ainda voltariam para o mesmo lugar, eu certamente faria, mas meu corpo agora me traia algumas vezes então eu não arrisquei. Eu queria falar "Hey, eu acabei de voltar de um hospital psiquiátrico, onde estão as condolências?", mas eu não quis agir com prepotência então apenas abri a porta do carro me arrastando até a casa de meus pais. Não que eu fosse a pior pessoa do mundo ou uma vadia extremamente egoista, mas eu teria tempo pra me sentir mal depois, era o que eu mais fazia.
Abrir a velha porta da casa foi a pior coisa que eu fiz naquele dia quando me deparei com vários rostos conhecidos presentes na sala minúscula de meus pais, alguns conversando, outros aguardando e outros apenas existindo. Eu quis amaldiçoar os rangidos que as dobradiças emitiram pois toda a atenção foi colocada em uma arma e disparada contra mim, cada olhar agora caia sobre meu corpo desengonçado e meus cabelos bagunçados que cheiravam a álcool gel. Eu tive que observar todos os sorrisos surgindo em seus rostos e a maioria das pessoas se aproximando de mim, primeiro minhas duas irmãs que me abraçavam e sussurravam algo como "nunca mais pense em fazer isso" e depois alguns outros parentes que eu nem mantinha contato frequentemente a não ser por festas de datas comemorativas. Por fim meus amigos vieram até mim: Esther, Patrick e Ema respectivamente me abraçavam e perguntavam como havia sido minhas férias em Massachusetts e qual era a razão de eu não ter comentado sobre.
Desculpa, não deu pra avisar que eu tentei suicídio galera, mas convenhamos, quem tira férias em março e ainda mais em Massachusetts?
Suspiro aliviada nos confins da situação por ninguém de fato descobrir o meu segredo mortal e nem desconfiarem do porque eu estar cheirando a drogas pesadas, hospitais psiquiátricos e confusão mental, o que não dura muito quando em um arrastar de olhos eu avisto Mark, no final do pequeno emaranhado de pessoas, recostado na parede e bebendo alguma coisa em seu copo, me olhando de volta. Que porra ele fazia aqui? Sinto meu coração congelar por segundos e aquela se tornar a primeira reação singela do dia, eu não entendia o motivo de sua presença sendo que nem éramos amigos comuns, no máximo conhecidos pelo desastre que o destino é. Seu retrato perfeito de cabelos castanhos e olhos de quase no mesmo tom ainda me encaravam sem hesitar desviar o olhar por um segundo sequer, ele estava me ameaçando, ou amaldiçoando. As duas coisas eram iguais para mim agora.
Alguns dias atrás quando eu estava no meu período de reabilitação em busca da sanidade mental, Mark apareceu no hospital de surpresa pra contribuir com o desastre que a minha vida havia se tornado. No começo, achei que ele estava lá para me ver, que meus pais contaram para todos o meus amigos fazendo minha vida social, quem eu era e a pessoa por trás da vodca e diazepam naquela noite se tornarem apenas fantasmas bons de um alguém horrível: eu. Mas milagrosamente estava errada, o que não deixou de ser uma supresa também. Mark estava lá para visitar uma irmã da qual ele nunca comentou em nenhuma das vezes na qual estávamos envolvidos na mesma conversa, de qualquer forma ele acabou me vendo aquele dia e me assombrando no resto de todos os outros.
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fluxo
Teen FictionOlívia tinha certeza de uma coisa: ela não sairia ilesa de ninguém.