É uma manhã ensolarada, quando nós, eu e meu irmão Patrick, deixamos a casa dos nossos pais e partimos rumo a nossa futura cidade e lar dos nossos dias de graduação.
Para aqueles que não me conhecem, me chamo Verônica, tenho dezenove anos, e um irmão gêmeo muito chato, com quem irei dividir um apartamento e meus dias de jovem estudante universitária. Mas, apesar dele ser um chato de galocha (não faço a menor ideia de como essa expressão surgiu), eu o amo e creio que será divertido dividir esses momentos com ele, além de estar um pouco longe dos nossos pais, com liberdade para sermos nós mesmos.
Acredito que esse tenha sido um dos motivos pelos quais escolhemos a mesma faculdade para estudarmos, a Universidade Federal de Olímpia, situada na cidade que leva o mesmo nome, pois, além de oferecer excelentes cursos de graduação, está localizada há horas da nossa antiga residência, ou seja, horas de distância da nossa família.
No carro, a caminho para a nova cidade e uma nova vida, encaro o reflexo no retrovisor, e ele me encara de volta, cheio de expectativas, com seus olhos verdes, cabelo comprido e castanho, e uma franjinha recém cortada.
- Sabe - diz o Patrick, atrás do volante do nosso carro, um presente de despedida de nossos pais - isso é tão clichê.
- O que é clichê? - pergunto, mordendo sua isca.
- Essa franjinha tosca - diz ele sorrindo, apontando para minha testa - por qual razão todas as meninas precisam fazer isso, quando estão passando por alguma mudança?
- Ela não é tosca! - respondo com um soquinho em seu braço - e não, nem todas as meninas fazem isso, sabe? Algumas possuem mais autocontrole do que outras.
- O que não é o seu caso? - Ele fala com uma afirmação que mais parece uma pergunta.
- O que não é o meu caso - respondo sorrindo.
Patrick volta a sua atenção para a rodovia, e eu suspiro, imaginando todas as coisas que encontraremos e viveremos quando chegarmos lá. Estou ansiosa pelos momentos futuros, e Patrick sente isso, talvez seja coisa de irmão gêmeo, por isso fala:
- Vai dar tudo certo, Vevê - diz usando o apelido carinhoso - você vai conseguir viver tudo que sonhou e muito mais.
- Eu espero que sim, e também espero o mesmo para você - falo.
- Eu sei, mas estou falando sério, não é da boca pra fora - ele diz olhando para mim, antes de voltar o olhar para a estrada - você vai conseguir entrar no time de futebol da universidade, cursar e terminar o curso que sempre sonhou e vai encontrar um cara legal que te ame do jeito que você é.
- Que meloso, Pato - respondo, também com o apelido dele, enquanto ele sorri.
Meu irmão tem a típica personalidade de homem golden retriever. Ele é literalmente a pessoa mais fofa e gentil que conheço, apesar de às vezes me deixar louca.
- Você tem certeza? - ele pergunta bruscamente.
- De que você é meloso? - respondo - absoluta.
- Não, idiota - ele diz - você tem certeza de que esse é o curso que você realmente quer cursar?
Aquilo me para por um segundo, o que não deveria. Sei que a resposta era para estar na ponta da língua, mas, por alguma razão, nunca fui boa em esconder meus sentimentos de Patrick.
- Eu não sei - digo - sei que deveria ser o que eu quero, né? Cursar medicina é o sonho de várias pessoas, e é um bom curso...
- O sonho de várias pessoas - repete ele - de mamãe e de papai, você quer dizer, né?
- Patrick - digo cansada, pois já tivemos essa conversa antes.
- Tudo bem, Verônica - fala ele, levantando uma mão em rendição - não tá mais aqui quem falou. Você é grandinha o suficiente para decidir o seu caminho, e eu te apoio no que quer que seja sua escolha, você sabe disso, não é?
- Sei sim - sinto um alívio tomar conta de mim. Já é difícil ter esse diálogo internamente, comigo mesma, e é ainda pior ter esse mesmo debate com o Patrick - Obrigada, por me apoiar - falo, realmente agradecida.
- Por nada - ele responde, com um sorriso que ilumina seus olhos - você faria o mesmo por mim, certo?
- Certíssimo - digo sem nem pensar.
- Ótimo - diz ele - pois eu preciso mesmo que você faça isso.
Olho para ele sem entender nada, abro a boca para falar "como assim?", mas ele é mais rápido e acrescenta.
- Eu não vou para Olímpia, Vevê - ele diz - vou para uma turnê com a banda.
- O QUÊ?! - Digo, um pouco alto demais.
- É ... Eu achava que você reagiria melhor, mas é isso, eu vou para uma turnê com a minha banda - ele fala calmo, como um golden retriever - surgiu uma oportunidade e eu vou abraçar isso.
Encaro ele, cética. Não consigo acreditar que meu irmão gêmeo vai me largar em uma cidade desconhecida, só para fugir com os amigos por um período e tocar em bares por aí, e acho que minha cara deixa transparecer essas questões, pois ele fala:- Não é só um passatempo, sabe? Eu realmente quero ser músico - ele suspira e acrescenta - Sei que nossos pais não entendem isso, e acho que eles apoiaram a nossa ideia de estudar em uma universidade fora da nossa cidade por acharem que eu "tiraria isso da minha cabeça mais facilmente" - ele fala, fazendo aspas com a mão - mas achei que você fosse entender.
- Eu entendo - me sinto mal de repente - desculpa, é só que você me pegou desprevenida - e acrescento - me conta como isso aconteceu.
- Tudo bem, - ele diz, e então me conta como um empresário do ramo alimentar, depois de ouvi-los tocar em um clube da nossa cidade natal, convidou ele e sua banda para se apresentarem em diversos de seus restaurantes, espalhados pelo país. E, apesar de estar apreensiva por ele, me sinto feliz, pois sei o quanto meu irmão esperava por isso.
- Uau, Pato! Isso é incrível! - digo apertando o seu braço - quando você vai?
- Daqui a uma semana - responde - acho que é o tempo de te ajudar a organizar as coisas na nossa nova casa, né?
- Acho que sim - respondo, com um meio sorriso, nervosa.
- Ei, ei - chama ele - vai ficar tudo bem! Isso vai ser uma experiência ótima para nós dois, vamos aprender a ter autonomia, e eu prometo ligar sempre para saber como você está se saindo - fala, e olhando nos meus olhos acrescenta - e, veja pelo lado bom, você vai ficar com o carro todo para você.
Eu dou uma sincera gargalhada com o seu comentário, pois nas últimas duas semanas, desde que ganhamos o carro, brigamos por ele, e agora que terei ele só para mim não me parece tão bom assim.
- Vou sentir sua falta - digo.
- Eu também vou sentir a sua - ele fala - Mas não esquenta, isso vai ser por pouco tempo, só por um mês.
- UM MÊS?! - Nunca fiquei tanto tempo afastada de meu irmão antes.
- Ou dois, quem sabe? - fala ele, rindo em seguida da minha cara - Relaxa Vevê, você vai tirar de letra esse tempo sem mim.
- Eu espero que sim, seu chato - digo com o coração apertado.
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Ela é o cara (versão sáfica)
RomanceUma releitura sáfica da comédia romântica dos anos 2000: Ela é o cara.