HÉLIO

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Eu não podia acreditar que, depois de tudo que havia feito para conseguir os ingressos para a sessão de autógrafos do BIG 3, eu iria morrer antes de conhecê-los.

Tudo começou algumas horas antes, quando decidi ser mão de vaca e convencer Raquel a ir comigo de metrô até o teatro porque eram só vinte minutos de caminhada da Estação Santana. Teria sido um ótimo plano, e teríamos chegado lá com tempo de sobra, se eu não tivesse percebido só quando fizemos a baldeação na Paraíso que eu tinha esquecido os ingressos em casa.

Eu sei! Eu fui um idiota. Não precisa brigar comigo. Eu tinha passado tanto tempo checando se os ingressos ainda estavam na gaveta, que acabei esquecendo de tirá-los de lá quando a hora chegou.

Ao menos eu era precavido. Mesmo com esse incidente, ainda chegaríamos a tempo. Se não fosse por um "objeto na via" que nos deixou parados por quinze minutos entre a Estação da Luz e a Portuguesa-Tietê.

Quando finalmente saímos do metrô, vinte minutos eram apenas o que nos restava. O céu estava começando a fechar, e eu só fui me lembrar naquele momento que deveria ter buscado meu guarda-chuva no Achados e Perdidos do Hospital das Clínicas no dia anterior. Então cedi à pressão do capitalismo e deixei que Raquel pedisse um Uber. Mas depois de dez minutos e três corridas canceladas, chegamos à conclusão de que ninguém iria nos buscar. Só sobrou uma opção: correr.

Eu não era exatamente sedentário, mas, entre aulas e trampos, eu não estava tendo muito tempo para me exercitar nos últimos meses. Ou seja, definitivamente não estava em condições físicas para correr por quase dois quilômetros com risco de perder o momento pelo qual vinha me preparando há anos. Meus pulmões queimavam. Minhas pernas doíam. Eu mal conseguia ver o caminho à minha frente.

Então era assim que acabava a curta vida de Hélio Lira. Desfalecido no asfalto de Santa Terezinha, minutos antes de sequer ter a chance de conhecer o amor de sua-

— É aqui! — exclamou Raquel, parando abruptamente. Eu não tive tempo de frear propriamente, e quase caímos os dois no chão.

Ainda respirando forte, chequei meu celular. Faltavam dois minutos para as 15h00. Nós tínhamos conseguido.

— Eu tô suado! — resmunguei, puxando a gola da minha camiseta repetidamente para me refrescar. Minha nossa, nem estava tão calor, como que eu tinha suado tanto? — Como eu vou conhecer o Luca assim, Raquel?

— Não acho que vai fazer alguma diferença — ela respondeu. Honestamente, ela não estava num estado muito melhor que eu. Tinha prendido os cabelos num rabo de cavalo, mas alguns fios estavam grudados na testa. A bochecha ainda estava levemente azul, mesmo depois de muitas lavagens e algumas camadas de maquiagem. Ela estava ajoelhada na fila, checando os conteúdos de sua mochila.

— Como não?? A primeira impressão que ele vai ter de mim é "credo, que menino nojento, nem pra tomar um banho antes de se colocar na minha presença".

— Com esse ar-condicionado, até chamarem a gente, você já vai ter se recuperado.

Isso até poderia ser verdade se a fila fosse por ordem de chegada, mas era por ordem de compra, e só tinham umas trinta pessoas na nossa frente.

— Eu tô fedendo? — Me abaixei ao lado dela e ergui o braço. — Vê se eu tô fedendo.

— Hélio, eu não vou cheirar seu suvaco! — ela exclamou, forçando meu braço para baixo.

— Mas e se o Luca me achar fedido?

— Você não vai chegar perto o suficiente pra ele te cheirar!

Eu sabia que ela tinha razão, mas ainda assim fiz um biquinho. Raquel suspirou e tirou uma lata de desodorante da mochila.

— Toma. É de lavanda, mas é o que tem.

— Lavanda é muito melhor que cecê. — Peguei o desodorante da mão dela e tratei de passar bastante. — Você é um amor. Não tem shampoo seco aí também não, né?

Raquel comprimiu os lábios e ergueu uma sobrancelha.

— Ok, ok, não vou abusar — completei imediatamente e devolvi a lata para ela. — Pelo menos chegamos antes da chuva. Mas o que mais tem nessa mochila?

Os pôsteres para autógrafo seriam fornecidos pela organização do evento, então eu não havia trazido nada além do meu celular e da carteira, ambos nos bolsos da calça.

— Eu trouxe um negócio diferente pro Pedro autografar. — Ela colocou a mochila no ombro e se virou de costas para mim, mexendo no celular.

— É o quadro de hoje cedo?

— Não. É outra coisa. Não quero falar.

Não consegui deixar de sorrir. Raquel não era tão expansiva ou iludida quanto eu, mas ela era muito fã de Pedro, e eu sempre suspeitei que ela tivesse uma queda por ele, mesmo que platônica. Seja o que for que ela tinha preparado para ele autografar, eu tinha certeza de que seria algo incrível.

Então Raquel soltou um grunhido indescritível.

— Que foi? — perguntei.

Ela não respondeu, apenas enfiou o celular na minha cara. Na tela, havia uma foto de Pedro no espelho do banheiro. Ele estava com os cabelos molhados, as dezenas de tatuagens expostas... e vestindo apenas uma toalha.

Eu nem era um Pedrete, mas senti minhas bochechas esquentarem. Ao meu lado, Raquel ainda encarava a tela com os olhos arregalados. Ela tinha ficado vermelha como um pimentão.

— Minha nossa, como eu vou encarar ele depois dessa foto? — Ela esfregou as bochechas, tentando se acalmar.

— Dá até pra ver o volume! — comentei, dando zoom na foto, mas Raquel arrancou o celular da minha mão.

— VOCÊ ACHA QUE EU NÃO PERCEBI? — Ela abraçou o celular contra o peito, como se fosse absorver a foto de alguma maneira. Eu não conseguia parar de sorrir. Geralmente era o fanboy escandaloso, mas Raquel tinha seus momentos. — Minha nossa, eu vou conhecer esse homem.

Foi então que minha ficha caiu.

Luca dos Anjos estava do outro lado daquela porta. Ele estava a alguns metros de mim, respirando o mesmo ar que eu. Em alguns minutos eu iria finalmente conhecê-lo, olhar em seus olhos, e trocar algumas palavras com ele.

Isso realmente estava acontecendo. Não era um sonho. Eu realmente iria conhecê-lo. Ele era uma pessoal real. Que ia interagir comigo.

Eu tinha preparado todo um discurso na minha cabeça para quando esse momento chegasse, mas agora não conseguia nem lembrar meu nome direito. Meu coração devia estar batendo mais rápido do que durante a corrida até ali. Minhas mãos tremiam, e eu comecei a mexer na barra da minha camisa xadrez para tentar me acalmar.

Eu estava prestes a conhecer o amor da minha vida. 

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⏰ Última atualização: Aug 18, 2023 ⏰

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