Covil do Infortúnio

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Não que ela esperasse um resultado diferente após se formar em arquivologia. Não havia empregos. Ela e suas duas colegas de classe—as únicas estúpidas o suficiente para concluir o curso—estavam, nesse momento, beirando a falência. Diante da precária situação que se encontravam, as três acabaram tendo que dividir um apartamento de dois quartos, carinhosamente apelidado de "Covil do Infortúnio". O nome era ideia da Chocho, claro. E usando como justificativa ter inventado o nome, ela tinha um dos quartos todo para si—apesar de quarto ser uma palavra meio forte.

Era o ápice da juventude: sem saber o que fazer da vida, com um diploma de decoração na parede e sem poder levar nem um ficante em casa por que compartilhavam um espaço de 35m², Sarada estava exausta de viver assim. Sumire e Chocho ao menos tinham empregos, mesmo que mal pagos, enquanto ela nem isso. Não sabia o que estava errado, se era o currículo, ou a postura dela nas entrevistas. Reclamava constantemente da necessidade de clareza processual por parte dos recrutadores, mas isso era o equivalente a falar com uma parede.

Os tempos eram difíceis e as medidas drásticas. Cansada de recorrer a sites e preencher horas de questionários inúteis, Sarada colocou sua ideia mais absurda em prática.

— De onde você tirou um jornal? — Foi a primeira coisa que Chocho falou ao sair do seu quarto e dar de cara com sua melhor amiga sentada no chão lendo os classificados em cima da mesa de centro.

— Ué, eu saí de casa e comprei. — Como se fosse a coisa mais simples do mundo.

— Saiu de casa e viajou no tempo? — Ela caminhou para a cozinha enquanto era julgada pelo olhar da outra. — Eles ainda imprimem jornais?

— Ainda tem um jornal em circulação na cidade, pelo visto. O único sobrevivente. — E ela retornou o foco para a lista de classificados.

— E para que você quer jornal?

— Procurando emprego.

— Neste século? — As duas se encararam por um segundo até que ouviram a porta de um dos quartos abrir.

— Nossa, um jornal! Há quanto tempo que não via um, nem sabia que vendia ainda. — Foi a vez de Sumire opinar, levando a Sarada a suspirar profundamente e a Chocho a ficar com uma expressão de "eu avisei".

— Pois a Sarada disse que vai conseguir um emprego pelos classificados. — Chocho falou, erguendo uma sobrancelha e colocando água em um copo da Hello Kitty.

— No século XXI?

— A convivência com a Chocho te estragou. — Chocho e Sumire trocaram olhares. — Deve ter pelo menos uma pessoa velha no mundo procurando um arquivista. — Sem parar de ler os textos na sua frente, Sarada dava o seu melhor para se manter concentrada.

— Nossa, amiga, você quer mesmo trabalhar em um acervo pessoal? — Sumire coçou os olhos e começou a caminhar em direção ao banheiro.

— É melhor do que não trabalhar em acervo nenhum.

A Sumire entrou no banheiro, a Chocho continuou bebendo sua água até que, de repente, Sarada começou a rir.

— Vocês não vão acreditar nisso. — Ela ergueu o papel e começou a ler em voz alta. — 'Procura-se arquivista ou bibliotecário', seguido de um número de telefone. Eu disse!

— Não acredito. — Chocho correu até a mesa de centro e leu exatamente o que a amiga disse que estava escrito. — Nem vendo eu tô acreditando.

— O quê? — Sumire, que ouviu a conversa, saiu do banheiro às pressas. — Você achou uma vaga?

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