Encarei as ondas quebrando contra o barco tranquilamente. A água cristalina refletia um tom de ciano quase esverdeado brilhante. O dia estava tranquilo, com brisas e sem sinal de tempestades iminentes. Mas eu conheço o suficiente do clima da região pra saber que nessa época do ano, o tempo é traiçoeiro. Há doze anos, eu aprendi isso da pior maneira possível.
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O dia em questão fora tão calmo quanto o atual, e eu, um capitão inexperiente do meu primeiro barco pirata, estava confiante. Fui aprendiz por muitos anos, um bocaneiro mirim em dezenas de barcos, acumulando moedas aqui e ali para realizar o sonho da capitania. Eu fora um tolo na época. Festejamos nosso primeiro saque bebendo, dançando, cantando e trocando afetos e intimidades. Disse para meus marujos ficarem de olho no mar, apenas por precaução, e fui dormir no começo da noite, após alguma farra. Fui acordado com estrondos de tempestade, que chegara quase que magicamente. Ou não tão quase assim. Prendi meus cabelos em um coque o mais firme possível na correria de subir e berrar as ordens, após a brevíssima análise da situação que fiz. Recolher velas, alçar remos, trancar portas e janelas e remar a estibordo, dando a volta. Disse para salvarem o barco a qualquer custo, pois sem ele não seríamos nada naquele mar. Enquanto meus homens remavam loucamente, eu fazia o possível para recolher o cordame. Consegui salvar as cordas, mas não a mim mesmo. Uma guinada brusca do barco por uma onda repentina me jogou em meio aos ventos, que abafaram meus gritos a tripulação. "Se eles conseguirem salvar o barco", pensei, "pelo menos terei para onde voltar se sobreviver". E assim, tentei me mover naquele oceano revolto, sendo jogado para todos os lados por ondas, ventos e correntes. Chegou um momento onde meus membros adormeceram e uma onda, uma das grandes, me apanhou. Tentei me forçar a continuar tentando, mas meu corpo e minha mente estavam exaustos. Eu só recordo de sentir a escuridão tomar minha visão e meu corpo relaxar pelo que pensei ser a última vez.
Recobrei a consciência com um ofego desesperado, seguido de um vômito de água salgada. Após engasgar e tossir muito, eu voltei a cair para trás. Ofegando, tentei identificar minha situação. Eu estava deitado em uma água rasa, apenas o suficiente para cobrir minhas orelhas, o céu estava nublado e tinham sons de trovões ao fundo. Eu estava exausto. Tive vontade de apenas me virar de lado e dormir. Até me dar conta de que havia algo frio e escamoso por trás de minha nuca, segurando minha cabeça. Ouvi uma voz agradavelmente assustadora falar comigo.– ei, bonitão, não dorme senão você vai morrer.
Ainda meio tonto, tentei identificar de onde vinha a voz. Até que uma mão escamosa e com membranas entre os dedos segurou meu queixo, e uma bela face, cuja cor da pele, formada por minúsculas escamas, era de um cobalto claro. Um pequeno sorrisinho adornado por presas brancas enfeitava seus lábios. Arregalei os olhos e levantei num pulo, assustado.
– o que?! Quem...?! O que?! Deuses, cadê meu barco?!?!
A criatura a minha frente deu uma risadinha. Ele (creio ser um homem, mas não sei, parecia algo entre o masculino, o andrógino e o feminino) era uma sereia. Barbatanas, cauda, membranas, escamas. Tudo em diferentes tons de cobalto e turquesa. Ele possuía adornos de ouro nos pulsos, braços e... o que eu creio serem suas orelhas.
– o barco e os tripulantes estão bem, do outro lado da ilha, na cais. Estão andando de um lado para o outro no barco como caranguejos fugindo de gaivotas.
Ele riu.
– vocês! Sereias. Sereias são traiçoeiras, o que você fez?!
Ele ergueu a sobrancelha, o que me surpreendeu porque eu nem sabia que esses seres poderiam ter pelos.
– a tempestade? Eu não tenho nada a ver com isso. Foi você que foi descuidado com o tempo.
– mas algo você fez, nem que não seja pela tempestade!