Tempero Nordestino

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Tem pessoas que marcam a gente de formas que elas nem mesmo sabem. E, de outras formas, elas sabem muito bem. As cicatrizes físicas podem até desaparecer com o tempo, mas as memórias são perenes. O que aconteceu aqui envolve algo que eu jamais pensei que fosse passar do universo digital. Tinha muito risco, cujo cálculo não foi exatamente o mais calculado. Mas depois de tantas palavras, chega de introdução, não é, leitor(a)?

Desde o começo, desde a materialização da minha vontade de aprender acerca do universo bdsm, ou seja, desde o início do perfil na extinta rede do passarinho azul, eu encontrei diversos tipos de pessoas. Aquelas que tinham fogo e tesão, mas nenhuma habilidade de comunicação. Aqueles mais tímidos, que não sabiam bem o que queriam, mas que estavam dispostos a aprender. Aqueles perfeitamente capazes de enlouquecer uma amadora como eu em poucas palavras (especialmente se forem ordens), e aqueles que passaram das barreiras que eu impus e se tornaram contatos pessoais, indo muito além do tema central do perfil.

Geralmente são poucos, e conquistaram essa posição por sua paciência, bom humor, cuidado, carinho, e uma série de qualidades que, se eu fosse listar aqui, tornaria esse texto enfadonho. Mas, embora chegar nesse nível seja difícil, visto minha incrível capacidade de me fechar no meu casulo de segurança, o contato inicial, é claro, foi relativo a sexo. Falar sobre sexo, perguntar sobre sexo, comentar sobre sexo, e, é claro, sexting. Certamente, o sexting foi a porta de entrada. E adianto, você que me lê, que um sexting gostoso, acompanhado das qualidade acima, me atrai bastante.

Hoje eu quero falar de uma dessas pessoas. E como a gente passou de todas essas barreiras. É claro que o nome será fictício, visto que temos muitos entraves que ainda não foram resolvidos (e que nem sei se serão).

Já tinham se passado mais de meses desde que eu o conhecera. Era (e ainda é) um homem solícito, respeitoso, divertido (mesmo com as piadas sendo incrivelmente ruins) e bastante observador. O BDSM nunca foi exatamente sua praia, mas ele se viu gostando da atitude de dar ordens para uma submissa (às vezes) obediente, como eu. E o sexting foi ficando cada vez melhor, geralmente colocando o ambiente de trabalho como local do ato. Já imaginei em cada cômodo do escritório daqui, assim como ele já pensou em todas as possibilidades do lado de lá.

E bota um lado de lá beeeeeeem pra lá, já que temos um país inteiro de distância. Ele na ponta mais ao nordeste, enquanto eu, uma devassa sudestina. Entre momentos de tesão no meio do expediente, compartilhamos dores e experiências de vida. Do meu lado, as dificuldades de relacionamento, família, trabalho, e do lado dele, nada muito diferente disso, à exceção de que, como ficara explícito desde o começo das nossas conversas, ele também reclamava da esposa. Sim, ele é casado. E é a partir de agora que a parte dos riscos, que eu comentei antes, começa a aparecer.

Porque o nível de excitação que causamos um no outro era muito intenso, de modo que, em um rompante de loucura, as manifestações virtuais em palavras começaram a não demonstrar devidamente o quanto desejávamos um ao outro. Eu precisava de mais. Ele precisava de mais. Mas havia, como eu disse, obstáculos financeiros, físicos e, principalmente, morais que impediam a nós dois de realizar o que pretendíamos. Até que chegaram aqueles dias gloriosos que o proletário aprecia: férias.

Eu não podia mais me aguentar. Eu precisava senti-lo. Foi uma questão de dias antes da sonhada pausa pra que eu conseguisse um hotel. Um aviso pra família de que passaria os dias curtindo com uma "amiga" que eu conheci pela internet, e a passagem caríssima para a capital potiguar. Dias de sol e sexo. Você que me lê deve estar pensando que tudo está parecendo fácil demais. É lógico que eu só comuniquei a minha ida horas antes de tirar os pés do solo, o que o deixou completamente desnorteado, confuso, mas feliz. Pelo menos, foi o que pareceu.

Na manhã seguinte, uma desculpa o levou à entrada do hotel, onde eu o esperava. E como já esperado, depois daqueles segundos de deslumbramento, de olhos se medindo, um beijo intenso, longo, molhado, em que cada lado desejou engolir o outro. Foram segundos de um misto de desejo quase saciado com a necessidade de discrição. O quarto daquele hotel veria muito mais de momentos como aquele. Mãos bobas num elevador com outras pessoas logo se tornaram novas investidas mesmo na porta. Aquele dia seria nosso, eu tinha certeza disso.

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