Talvez...

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Ágatha não conseguia dormir.

O quarto estava escuro, silencioso, a não ser pelo vento que balançava as cortinas do quarto. Está frio. Se virando viu que Antônio dormia profundamente. Sorriu passando a mão pela sua barba, haviam se amado depois do jantar, depois de compartilharem seu vinho especial.

Antônio havia feito questão de preparar um jantar em homenagem a seu retorno à casa, a sua casa. A expressão em seu rosto era de felicidade e orgulho por todos ali verem ela de braços dados a ele. Sorriu ao lembrar a forma como ele não saiu do seu lado, do sorriso de superioridade em seu rosto sempre que alguém vinha lhes parabenizar pela reconciliação, do sussurro em seu ouvido durante a dança dizendo: que não via a hora daquele povo ir embora para ficarem a sós!

Sem dúvida, foi uma bela noite! Mas, mesmo com toda a sensação de vitória que lhe corria por todo o corpo, não conseguia dormir, consequência daquelas infinitas noites insones em que encarou as rachaduras no teto da prisão, em que não havia luz entrando pela janela, quando não podia vê a lua brilhando no céu. Mas, não havia rachaduras no teto na mansão La Selva, muito menos em seu quarto.

Ágatha maneou a cabeça tentando esquecer aquelas noites. Em algum momento ela esqueceria tudo que passou, mas já fazia quase duas horas que estava deitada, de olhos fechados se obrigando a dormir.

Não funcionou.

Soltando um gemido frustrado, empurrou as cobertas de lado, tirou a mão do Antônio que estava envolta da sua cintura com possessividade, levantou devagar para não acordá-lo, vestiu o robe que estava jogado em cima da poltrona e caminhou na ponta dos pés até a porta.

Enquanto ia em direção a cozinha para beber água, lembrou do jantar mais cedo. Tinha passado o jantar inteiro observando todos os presentes e uma coisa se tornou evidente: tudo o que lhe falaram sobre Antônio e Caio é verdade, ambos eram devotados a ela! 

E, embora não estivesse muito disposta a mudar seus planos, Agatha começava a perceber que talvez Antônio e Caio pudessem lhe dar muito mais do que dinheiro. Algo bom. Algo maior. Algo que, se ela permitisse ser racional e não passional, o que sabia era difícil, não deveria abandona-los.

Antônio estava mudado. Estava tão educado. Charmoso. Atencioso. Apaixonado. Ele se transformou em outra pessoa, uma pessoa da qual ela tinha medo de aprender a gostar. Pior, amar!

Agatha sentiu o rosto queimar, mesmo no escuro, ao lembrar de como ele a fez sua. Desesperado. Apaixonado. Sôfrego. Arrebatado. Precisava parar de pensar em Antônio La Selva assim. Se continuasse nesse rumo, tudo se complicaria.

Enquanto seguia em silêncio pelo corredor pensou que talvez devesse ler algum livro no escritório. Sem dúvida, haveria algum livro lá que pudesse lê até o sono aparecer. Minutos depois chegou à cozinha. Tudo continuava igual como deixou, a não ser pelos eletrodomésticos novos. Abrindo a geladeira pegou uma garrafa com água, a colocou em cima do balcão, foi até a estante mais próxima e pegou um copo enchendo. 

-Hum... -murmurou ao sentir a água gelada descer por sua garganta.

Se apoiando no balcão da cozinha fechou os olhos saboreando a água no mesmo instante que um clarão forte e totalmente inesperado iluminou o cômodo. O grito ficou preso na garganta quando deu um salto para trás, batendo as costas contra a pia. Aqui não, pensou em silêncio, aqui não.

Mas, quando sua mente formou a palavra aqui, toda a cozinha tremeu com o estrondo do trovão, fazendo o cômodo ser engolido na escuridão. Ágatha estremeceu enquanto se agarrava à borda da pia com toda a força. Ela odeia isso. Odeia!

Detesta o barulho do trovão, os raios, a tensão que fica crepitante no ar, mas, principalmente, odeia o que isso faz com ela! Fica com tanto medo que não consegue fazer absolutamente nada. Isso começou depois que foi presa. Na primeira noite em que gritava agarrada às grades dizendo que era inocente. Gritou e bateu tanto que a guarda a levou para a solitária.

Quando foi jogada lá dentro sem nenhuma cerimônia, se encolheu no canto enquanto uma chuva torrencial caía lá fora, e os trovões e relâmpagos retumbavam ao seu redor. Passou a odiar tempestades. Ninguém sabia porque conseguia manter seu pavor em segredo, precisava manter, afinal na cadeia qualquer fraqueza vira uma arma contra si mesma.

Ela não estava escutando a chuva bater contra as janelas. Talvez, a chuva não estivesse forte. Talvez, estivesse longe e logo passasse. Talvez...

Outro clarão iluminou a cozinha, fazendo com que Agatha soltasse um grito curto. Doído. Dessa vez, o trovão foi muito perto do relâmpago, mostrando que a tempestade estava se aproximando.

Agatha escorregou até ficar encolhida contra o balcão da pia. O som foi muito alto. Os raios estavam muito brilhantes, e muito...

BUM!

Ela se abraçou pelos joelhos escondendo o rosto entre as pernas dobradas e os braços cruzados sobre os joelhos, aguardando, apavorada, o próximo trovão.

Então, a chuva começou a cair.

Talvez, fique.Onde histórias criam vida. Descubra agora