INTERLUDE (I)

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CÉLINE RIU em meio à tosses ao se lembrar da vez em que quase havia beijado Ayrton. Precisava admitir que sempre fora ousada com homens, mas com o piloto brasileiro era diferente, era mais difícil ser assim.

— Eu ainda não acredito que não se beijaram naquele dia — Vivianne riu também, vendo Céline concordar.

  E mais tosses.

  Ela estava se sentindo fraca, com falta de ar. Sabia que a dor de lembrar toda sua história com Ayrton era sofrida, porque faziam anos que não falava sobre. Mas havia concordado com a ideia, e ela iria até o fim.

  Não porque ela amou ele como amigo, como parceiro. Mas porque amou ele como pessoa, como piloto, e como ídolo, e o mundo precisava conhecer todas essas versões de Ayrton Senna.

  — E quando é que se beijaram pela primeira vez? — Felipe, o diretor pediu curioso.

  — Você está ansioso demais — ela apontou. — Ainda tem história pra contar!

  Felipe riu e concordou, então voltando a dar atenção para as câmeras que captavam Céline.

  Céline, que observava mais uma vez o mar de Angra pelas janelas.

  Lembrava com muitos detalhes da primeira vez que esteve ali, como foi um momento especial. Guardava todos os detalhes com muito amor, com muito carinho.

  Era um fato curioso sobre ela.

  Sua memória era ótima para tudo, mas muitas coisas ela optava por esquecer. Como por exemplo o fatídico dia.

  Ela não lembrava de nada daquele dia.

  Mas o restante ela lembrava muito bem, e por mais que detestasse falar sobre algo tão íntimo, tão puro, para muitas pessoa, era também confortante poder mostrar para o mundo que pessoa era Ayrton Senna da Silva.

  — Maman, vas-tu nous raconter tout en détail? — seu primogênito pediu incomodado.

(Mãe, você vai contar tudo com detalhes?)

  Charles não gostava nada dessa situação. Não com a mãe assim.

  — Bien sûr, mon bébé. C'est pourquoi je suis ici — respondeu ela, piscando para o filho, um tanto óbvia.

(Ora, é claro que sim, bebê. Foi pra isso que vim.)

  — Podemos ser rápidos? A história é longa — ele disse para a equipe.

  — Charles Hervé Leclerc! — Céline chamou sua atenção.

  Ela poderia estar fraca, Charles poderia ser o único a saber, mas ela falou com tanta firmeza que ele até se assustou.

  — Estou aqui pra contar toda a história! Agora seja um bom filho e traga um pouco de água para sua mãe.

  Charles encarou a mãe como se ele a repreendesse.

  Céline sabia que não poderia fazer muito esforço, e relembrar tudo fazia parte de um esforço também. Isso machucava ela e ambos sabiam disso.

  Mas ela não ia desistir, não iria não falar tudo.

  Charles conhecia muito bem a mãe para saber que não tinha como mudar sua cabeça, por isso suspirou e fez o que ela pediu.

  — O que aconteceu com ele? — Reginaldo perguntou em português. — Acordou com a tica?

  Céline o observou de canto de olho enquanto tentava não rir, mas não tinha como.

  Ela amava o português brasileiro, porque em nenhuma outra língua seria possível traduzir "Acordar com a tica".

  — Ele acha que isso me faz sofrer, e Charlie detesta isso. Ele vai se acostumar até a entrevista acabar, não se preocupe — respondeu em inglês.

Pouco tempo depois Charles voltou com o que a mãe havia pedido.

O piloto ficou ao seu lado até ela terminar, então segurou sua mão e chegou mais perto da mãe.

Êtes-vous sûr?

(Você tem certeza?)

Céline sorriu e concordou com a cabeça.

Charles sabia que não teria como mudar a cabeça da mãe, por isso apenas concordou, deixou um beijo no topo de sua cabeça, e então saiu de cena.

Ele saberia apenas mais tarde que essa seria uma imagem participante do documentário, e que seria uma de suas favoritas ao lado de sua mãe.

— Certo, onde eu estava?

— No dia em que quase se beijaram pela primeira vez — Felipe apontou.

— Ah, certo! — sorriu. — Depois daquele dia, as coisas ficaram mais... Movimentadas. Nada de muito diferente aconteceu, mas vou contar as melhores memórias que tive do ano de oitenta e cinco.

MY SOMETHING | Ayrton SennaOnde histórias criam vida. Descubra agora