Capítulo único

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Os dedos de Stan dançavam em cima das teclas do piano como os dançarinos no rinque de gelo. A melodia suave que tocava ecoava por todas as paredes do estádio, chegando aos ouvidos de todas as pessoas presentes, entre canadenses, franceses, americanos... todo tipo de gente que fez o esforço de sair de casa para assistir à uma apresentação de patinação no gelo no centro de Montreal no frio congelante de Novembro.

Stan estava acostumado a tocar para uma plateia grande, mas nunca sozinho. Não tocava em uma orquestra grande, na verdade, tocava em um grupo pequeno com outras seis pessoas além dele. Faziam apresentações em teatros e coretos de praça, chegaram até a tocar na cerimônia de abertura das olimpíadas de inverno, em 2010, sediadas em Vancouver.

Mas Stan, sozinho com o piano, não tocava só em praças, tocava também em apresentações de patinação, formaturas de universidades e até mesmo na praça de alimentação do shopping. Em casa, gostava de tocar por horas a fio para si mesmo e quem mais estivesse ouvindo do lado de fora. Onde quer que estivesse, se houvesse um piano, ele não perderia a chance de dançar com os dedos pelas teclas brancas e pretas.

Eram dez e meia da noite quando a apresentação acabou, totalizando três horas desde que Stan começara a tocar as primeiras notas. As palmas soaram de todas as direções. Assobios e gritos também eram ouvidos, expressando a alegria do público.

Pela manhã do dia seguinte, pegou suas coisas e entrou no carro em uma viagem de volta a Toronto, depois de quase um mês inteiro longe. Para tocar nessa apresentação, todas as despesas foram cobertas pelos organizadores do evento, lhe fora garantido todo o básico e o direito de ir e vir ao estádio quando quisesse para treinar com o piano — era mais interessante quando os dançarinos estavam presentes. Stan adorava ser reconhecido fora de seu círculo social, mas adorava mais ainda chegar em casa e poder tomar um banho quente e se ajeitar em sua própria cama.

Era terça-feira de manhã quando Stan se encontrou com seu pequeno grupo de orquestra, dez dias depois de voltar de Montreal. A maestra Victoria avisara no encontro anterior, duas semanas antes, que naquele dia específico deveriam estar vestidos formalmente, de preferência vestindo cores básicas como branco e preto. Ela não disse o porquê daquela exigência toda, o que deixou todos curiosos — Dezembro se aproximava, o que provavelmente indicava uma orquestra de natal em algum coreto ou no teatro. Independente do que fosse, Stan estava ansioso para tocar para o público novamente.

Estava vestindo calças jeans pretas e uma camisa branca, junto de seus sapatos mais confortáveis. Se certificara de que cada mínimo detalhe em sua roupa estivesse correto, com medo do que pudesse dar errado.

Encontrou seus amigos sentados na primeira fileira de cadeiras do teatro em que mais costumam se apresentar. Não havia ninguém além deles e Stan se perguntou o que poderia acontecer de tão especial naquele dia. Bebé e Wendy estavam usando vestidos chiques e confortáveis na cor preta, enquanto os outros caras usavam roupas praticamente iguais às de Stan, só diferindo na cor da camisa — Tolkien e Kyle vestiam branco como ele, Clyde e Jimmy vestiam preto.

Se sentou na ponta de sua linha de amigos e encarou o palco vazio por alguns segundos, que mais pareciam anos. As cortinas estavam fechadas, o que atiçava ainda mais a curiosidade dos músicos.

— Espero que valha a pena esse suspense todo — Bebé disse, entediada.

As luzes se apagaram na platéia e o som de um violino começou a ressoar por detrás das cortinas de veludo vermelhas. Começou baixo, depois aumentou. Era lento e chegava até a ser triste. Ecoava por todas as quatro paredes do teatro, entrando pelos ouvidos de Stan como o sussurro de um anjo.

Demorou cinco segundos da música para que os neurônios de Stan começassem a trabalhar até ele tirar do fundo de sua mente uma memória do início de sua vida como pianista. Abriu a boca para falar algo, mas as palavras ficaram presas em sua garganta. Stan manteve os olhos fixos no palco, mas agarrou nos braços da cadeira como se fosse entrar em combustão ou a cadeira fosse decolar como um foguete a qualquer instante.

Your Song Saved My Life - StaigOnde histórias criam vida. Descubra agora