Capítulo 1 - O Céu Antes da Queda

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O pequeno avião bimotor avançava pelo céu, cortando as nuvens e revelando vastas extensões da floresta amazônica abaixo. Camila Duarte e Lucas Alencar, um casal de biólogos apaixonados pela natureza, observavam a paisagem com olhos cheios de expectativa. Eles haviam sonhado com essa expedição por anos, e finalmente estavam prestes a mergulhar no coração da biodiversidade tropical.

A cabine do avião ressoava com o som suave do motor e a empolgação no ar. Camila ajustou os óculos, preparando-se para capturar cada detalhe do espetáculo abaixo. O verde parecia não ter fim, uma tapeçaria viva de árvores, rios e sombras em movimento.

Lucas olhou para ela com um sorriso repleto de admiração. — Camila, a gente tá quase entrando num lugar incrível demais, sabe? Lembra lá no começo do curso, quando você sempre falava que sonhava em vir pra Amazônia de verdade? E eu, bobão, nem acreditava que esse dia ia chegar?

Camila sorriu. — Parece que tô prestes a entrar num livro de aventuras. Desde que você me prometeu essa viagem, eu acreditei.

Lucas riu. — Pois é. Agora, nada pode dar errado.

As nuvens flutuavam abaixo deles como algodão branco, criando uma sensação de deslizamento sobre um universo paralelo. O avião era pequeno, mas seguro. Pelo menos, era o que Lucas achava.

Camila olhou para baixo. — Olha, Lucas, é incrível ver como esse rio serpenteia pela selva. Imagina só a quantidade de bichos incríveis que deve abrigar ao longo das margens.

— A Amazônia é um mosaico de vida, respondeu ele. Não tem igual em lugar nenhum.

A conversa fluía naturalmente, até que Lucas mudou de assunto. — Sabe, Camila, isso me faz lembrar daquela aula de sociologia que a gente teve. Lembra do professor comentando sobre aquela tribo amazônica que acreditava que um dos bebês gêmeos era um espírito maligno e, por isso, sacrificavam os dois?

Camila franziu o cenho. — Ah, é verdade! Aquela história nos deixou perplexos. Parecia tão absurda, mas ao mesmo tempo mostrou como diferentes culturas podem ter crenças tão estranhas e únicas.

Lucas assentiu. — Sim. Eles acham que um gêmeo nasce com espírito bom e outro com espírito mau. Mas, como não sabem qual é qual, se livram dos dois.

Camila balançou a cabeça. — É incrível como as crenças podem ser tão diferentes e, muitas vezes, tão distantes do nosso próprio entendimento.

Lucas sorriu, mas logo seu olhar ficou mais sério. — Eu também já tomei decisões ruins no passado... — disse ele, desviando os olhos para o horizonte.

Camila sentiu o estômago revirar. Ela sabia exatamente do que ele estava falando, mas não queria trazer isso à tona. — Lucas... — começou ela, mas ele a interrompeu.

— Me deixa falar. Eu sei que fui um idiota. Que estraguei tudo entre a gente quando te traí. — Ele passou a mão pelo rosto e suspirou. — Na época, eu achava que nada ia ter consequência. Mas perdi você, e isso me ensinou mais do que qualquer livro ou aula.

Camila ficou em silêncio por alguns segundos, processando as palavras dele. Parte dela queria dizer que aquilo já não importava mais, que era passado. Mas ela sabia que algumas cicatrizes nunca desaparecem completamente.

— Lucas, eu já te perdoei. Mas isso não significa que podemos voltar a ser o que éramos. A gente mudou.

Ele assentiu lentamente. — Eu sei. Mas, se eu pudesse voltar no tempo, faria tudo diferente.

Camila abriu a boca para responder, mas foi interrompida por um alerta vermelho piscando no painel do avião.

O piloto, Geraldo, pigarreou no microfone. — Pousaremos em cerca de 30 minutos. Céu limpo, sem turbulência.

Mas, ironicamente, aquele seria o maior erro da noite.

Enquanto o avião cruzava os céus, na floresta, o jovem indígena Karaí espreitava sua caça. O tucano pousado no galho alto era sua prova de maturidade.

Se acertasse o pássaro, voltaria para a tribo como um guerreiro.

Ele prendeu a respiração, puxou a flecha e preparou o disparo.

Foi então que ouviu o trovão que veio do céu.

Um estrondo colossal rasgou o ar, e ele abaixou o arco, assustado. O tucano bateu asas, fugindo.

Karaí olhou para cima.

Algo monstruoso se movia entre as nuvens. Um pássaro gigante, cuspindo fumaça. Mas aquilo não era um animal. Era algo que ele nunca tinha visto antes.

Os olhos arregalados de Karaí acompanharam a cena, atônito. O monstro de ferro caía, se partindo no ar.

E, então, veio o impacto.

Camila abriu os olhos em meio à fumaça e à dor. Tudo ao seu redor era um caos de metal retorcido, terra fendida e fogo. Seu peito arfava, os pulmões lutando para encontrar ar puro. O cheiro de gasolina queimava suas narinas.

Ela se virou com dificuldade e viu Lucas preso entre os destroços, as pernas esmagadas por uma parte da fuselagem. Seu rosto estava pálido, mas os olhos ainda vivos.

— Camila... Você tem que sair daqui.

— Não! Eu vou te tirar daí!

Ela tentou puxá-lo, mas ele gritou de dor.

— Não dá! Você tem que ir! O avião vai explodir!

Lágrimas escorreram pelo rosto dela. — Eu não posso te deixar aqui!

Lucas segurou sua mão com força. — Por favor, vá. Se você ficar, nós dois vamos morrer.

O choro de Camila veio sem controle, um soluço preso na garganta. Ela queria dizer algo, mas não havia palavras. Ela nunca se perdoaria por isso.

Lucas sorriu, mesmo com a dor. — Me promete que vai sobreviver.

Camila apertou os olhos e assentiu, engolindo a dor.

Com o coração pesado, ela correu, tropeçando nos destroços, até alcançar a clareira.

Atrás dela, o avião explodiu.

O impacto a jogou para frente. Sua visão ficou embaçada, o mundo girando. O calor queimou sua pele, o som ensurdecedor reverberando em seus ossos.

Ela tentou se levantar, mas o corpo não respondeu. O céu girou acima dela, um turbilhão de fumaça e verde. Sua respiração ficou rasa. Tudo ficou escuro.

Na clareira, entre os destroços fumegantes, Karaí observava.

A mulher branca estava caída, imóvel, com a pele marcada por sangue e fuligem. Seus olhos captaram o leve subir e descer do peito dela.

Ele apertou a flecha no arco.

Se sua prova de maturidade era uma grande caçada, talvez a maior presa estivesse ali, diante dele.

Karaí respirou fundo e apontou a flecha para o peito da mulher desmaiada.

Se levasse aquela presa para a tribo, sua jornada para se tornar um grande guerreiro estaria completa.

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