Capítulo V

53 15 64
                                    


Eram dez horas da noite quando o meu estômago resmungou. Procurei alguns restos nos muitos pacotes de bolachas e snacks que tinha para comer, mas estavam todos vazios. Estava chocada, trouxe-os por encetar assim que cheguei antes da hora de almoço.... Olhei para as horas mais uma vez, esqueci-me de almoçar, claro. Não havia de comer tudo e mais alguma coisa? Já via pontos negros e brilhantes e sentia as pernas a tremer. Precisava de comer rapidamente. Resignada a não poder fugir de fazer a comida, fui a correr para a cozinha e fiz sandes de hambúrguer e queijo. Os meus dias mais ocupados são sempre assim, mas também já desisti de fazer dietas. Primeiro, porque não tenho tempo nem paciência, segundo, mesmo que fosse mais magra, não era isso que ia mudar o meu aspeto. Assim, pelo menos poderia comer o que quiser e quando quiser. Estava a voltar para o computador com as minhas sandes quando o meu telemóvel vibrou. Mensagem. Pensei logo no David. No entanto, quando vi a notificação era de Henrique. O que ele fazia a enviar mensagens à meia-noite?

Olá, Linda! Como vai a revisão do livro? Já fizeste as tuas contas nas redes sociais? Não te esqueças de me enviar convite para te seguir! ;)

A mensagem continha várias ligações de redes sociais e de trabalho. Está confirmado, além de sedutor, é viciado em trabalho. Quem está a trabalhar à meia-noite? Ao pensar isto rio-me de mim mesma que estou aqui a trabalhar à meia-noite e não tenho moral nenhuma para julgar alguém. Agora que eu recebi esta mensagem lembrei-me de fazer as inscrições nas redes sociais e enviar os convites para Henrique. Antes de conseguir responder à mensagem, ele enviou outra.

Já recebi! Obrigada, agora estamos em contacto para sempre, nada de fugir de mim! Boa noite ;)

Como ele sabe que eu quero fugir dele? Toquei na minha cara, revela-se assim tanto? Tenho de me esforçar para ser mais simpática.

Obrigada por me lembrares. Bem-vindo à minha vida online. Boa noite!

Durante uns segundos fico-me a perguntar se está bom e incapaz de decidir-me, envio a mensagem. É estranho ter um colega de trabalho depois de tanto tempo a trabalhar sozinha. A olhar para o telemóvel, senti uma guinada no coração ao ver que não tinha nenhuma chamada, nem mensagem de David. Bem, passei o dia todo a trabalhar, mas ele não sabia podia ter terminado às seis ou ao horário normal de ele sair... Sem saber o que pensar ou concluir desta ausência, voltei ao meu trabalho. Se queria realmente sair e tentar conhecer melhor David, tinha de primeiro conseguir tempo para isso.

Acordei com o som do telemóvel que não se calava e não me deixava dormir nem mais um pouco como tanto desejava. Quando finalmente o agarrei, o nome na tela, fez-me esquecer qualquer sono. Era David. O telemóvel saltou-me das mãos antes de atender. Fiquei com receio de não atender a tempo, mas finalmente consegui carregar no botão verde.

- Olá, Linda! - David estava forçosamente feliz – Como estás hoje? Tiveste outra reunião?

- Não, estava a dormir, estive ontem a trabalhar o dia todo e a noite toda – senti que precisava de justificar, mas não sei bem porquê.

- Ah! Por isso, não me ligaste nem enviaste mensagem – fez um som com a garganta – confesso que senti falta.... Olha podes hoje sair comigo?

Ele sentiu a minha falta?! O coração parou um segundo como se estivesse a preparar para uma corrida sem meta. Olhei para o meu trabalho, cinco dias era impossível! Faltava mais de metade e já tinha perdido um dia. Como eu ia ter tempo para reler tudo no final? Por muito que gostasse eu não consigo ler um livro de trezentas páginas num dia...

- É um pouco difícil, estou cheia de trabalho, se for para a semana é mais fácil...

- Para a semana?! Vais-me fazer sofrer este tempo todo?

- Ai! Que exagero!

- Só uma noite não vai fazer mal, vá lá! Não me queres ver também?

- Não é que não queira...

- Então está decidido, hoje passo aí às nove! Tenho de ir. Beijos

Desligou. Levantei-me e fui fazer as minhas necessidades. Enquanto isso, estava a tentar analisar a sensação que se instalou no meu peito. Por um lado, estava entusiasmada por ele sentir a minha falta, mas havia algo que me dizia que havia algo errado nesta pressa e na voz dele. Algo que não conseguia compreender ou talvez que não quisesse entender. Tentei afastar esta sensação desagradável e pensar que era apenas medo de não ser verdade. Sim, porque tinha medo disso e a voz constantemente, no fundo da minha mente, a dizer «achas que ele vai mesmo gostar de ti? Nem te conhece bem e pelo aspeto de certeza que não é...» entre outras frases desagradáveis.

Num estado de ansiedade, tentei acelerar o trabalho do livro, mas em vez de andar mais rápido, atrasei mais, tive de voltar a atrás mais vezes. Enfim, terrível. O meu coração estava longe com a minha mente graças ao telefonema da manhã. A pressão e a falta de tempo não ajudavam nada. Finalmente chegou a hora e estava pronta às nove, mas ainda a olhar para o livro e tentar não ficar nervosa por David ainda não ter tocado. Podia ter se atrasado. Passaram quinze minutos até à campainha tocar. No entanto, ele agiu como tivesse chegado quinze minutos antes.

- Linda, já estás pronta!? - olhou surpreendido como fosse estranho – Estás linda!

- Obrigada – o elogio aqueceu-me o coração, mas não tirou as minhas dúvidas e incertezas sobre o comportamento dele.

Chegámos ao restaurante e fiquei admirada, nunca me levaram para um local tão caro nem tão bonito. Era um restaurante de qualidade em que só os uniformes dos funcionários mostravam isso e perguntaram se tínhamos mesa reservada, David confirmou e eu fiquei admirada. Ele era uma caixa de surpresas. Fez aquilo apenas para me agradar? Apesar disso, só senti mais dúvidas. Não conseguia deixar de pensar que era tudo estranho, rápido demais. Ainda antes de ontem, ele estava a discutir com a namorada à minha frente. Ah! Era isso, tinha de confirmar que eles tinham terminado. No momento em que pensei isto, vi Laura com um homem musculado numa das mesas do restaurante. O meu corpo gelou e senti-me como um coelho a entrar na toca da raposa.

O pior foi sentir o braço de David à volta dos meus ombros e a sua mão a apertar-me o braço e a olhar para Laura. Estava a provocá-la. Esperava com todo o meu ser que tinha sido coincidência e que ele não tinha marcado este encontro só para me usar contra ela. Tinha mesmo de falar com ele, apesar de sentir no fundo do meu estômago a insegurança a roer-me e comecei a ter dúvidas se conseguiria falar.

Assim que nos sentamos, logo depois do empregado ter dado os menus, falei logo.

- Sabias que Laura ia estar aqui? Vocês não estão mais juntos? - perguntei rapidamente antes da coragem falhar.

David olhou para mim por um momento, como se não esperasse a pergunta. Não sei como ele poderia pensar isso, tenho a certeza que qualquer pessoa no meu lugar tinha pelo menos vontade de perguntar isso.

- Nós terminámos, como podes ver ela está com outra pessoa, a última coisa que queria era estar a vê-los juntos, não achas? - a voz dele refletiu bem a raiva e ciúme dele. No entanto, esses sentimentos pareceram amortecer a fogueira de dúvidas que tinha dele.

- Desculpa, talvez, não devesse ter perguntado - respondi para não estragar o jantar, mas, no fundo, não me sentia nada arrependida.

Quando pedi desculpa, senti que ele logo ficou mais relaxado e foi um excelente jantar em que nos conhecemos melhor e foi muito divertido. Esqueci-me da presença de Laura, espero que ele também o tenha feito. Quando saímos do restaurante, ela e o atual namorado já tinham saído, porque não os vi em lugar algum. Porém, o melhor da noite foi quando David deixou-me em casa e ao despedir-se deu-me um beijo na boca. Nem quis acreditar, foi espetacular, e naquele momento, senti como fosse o melhor beijo do mundo. Um homem lindo como aquele estava a beijar-me e ofereceu-me uma noite especial, como se eu fosse uma pessoa normal, uma mulher linda que merece ser amada. Quando cheguei a casa ri e chorei com tais pensamentos e quando ele me enviou uma mensagem a dizer que adorou a noite, soube logo que não ia dormir aquela noite de tanta felicidade. Todas as dúvidas e incertezas dissolveram-se e trabalhei mais rápido do que nunca.

Amar ou Ser Amada? (Rascunho)Onde histórias criam vida. Descubra agora