Encontros - Atos

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     A primeira vez que a vi foi tão comum que eu nem mesmo me lembro direito. Para mim, pessoas são apenas pessoas, nada mais que isso. Não consigo aceitar que pessoas desejem compartilhar seus desejos mais íntimos com um certo alguém.

     Ela veio a mim como num daqueles filmes melosos em que tudo é perfeito, e como se me conhecesse se entregou. A verdadeira razão talvez nem ela soubesse.
     Admito que por alguns instantes da minha vida eu tenha me sentido só. Foram esses os momentos mais discriminados e exilados da minha existência. A solidão é a vida em si.
     Me sinto predestinado a viver assim, mesmo sabendo os fatores que movem o rumo do nosso futuro. Desacreditar é minha sina. Tudo o que escolhemos pode nos atacar, de maneira figurada ou não, somos variáveis de nós mesmos. Inconsistentes.
     O ser humano é quase sempre indiferente, sem consciência de seus atos. Principalmente quando age de forma insana, e foi assim que tudo aconteceu.

     Lembro como se fosse hoje, seu jeito, suas palavras, seu olhar... Aquela mistura de tudo que é vulgar.

     Ela me disse:
- Eu te conheço!
     Parei na sua frente e fitei seus olhos antes de responder.
- Isso é bom? - perguntei. Ela sorriu.
- Claro! Sempre quis estar a sós com você, hoje finalmente tive essa chance.
- Algumas oportunidades poderiam ser desperdiçadas sem rancor, sabia?
- Não entendi, estou incomodando?
- Claro que não, pelo contrário...
- podemos marcar de conversar com mais calma? - disse ela.
- Pode ser...

     Nos sentamos em um banco naquela praça.

- De onde você é? - Perguntou.
- Não deveríamos começar com o nome?
- Porque?
- É o mínimo que precisa saber de mim, de início.
- Então tá! Qual o seu nome? Me chamo Manuela.
- Rodrigo.
- Pode me chamar de Manu.
- Então, Emanuela, o que chamou a atenção em mim?
- É Manuela, sem o "E".
- Certo, o que faz por aqui? Está de folga?
     Uma mulher bem vestida num dia de semana sem nada pra fazer no centro de uma praça as três horas da tarde me parece bem incomum.
- Procurava emprego, mas encontrei você!
     Não vou te dar dinheiro, pensei.
- Em que posso ajudar?
- Na verdade eu só precisava de alguém pra conversar...
     "Foda-se, o que eu tenho a ver com isso?"
- Estou ajudando?
- Claro, você é meio sério, mas parece sincero.
     "Porque ainda estou aqui?"
- Não falo o que penso, falo o que querem ouvir.
- Como assim?
     "Oh céus, é burra!"
- Qual a sua idade? - Perguntei.
- Você está com algum problema?
- Todos temos problemas, mas nenhum é relevante para essa conversa.
- Entendo, eu posso pegar seu número?
     "Meu Deus, Serei perseguido"
- Claro!
     Nesse instante para minha sorte, um mutirão de pessoas começa a correr para todos os lados, não exitei e entrei na multidão. Algum louco parece ter puxado uma arma no meio da praça. Logo me perdi daquela criatura.
     De longe eu a via me procurando. Sei que é injusto com ela sair assim, mas seria mais o injusto comigo prosseguir naquela conversa irremediada. Sou egoísta sim, vivo apenas para minha própria felicidade.
     Logo o rapaz descontrolado fora capturado pelos homens de bota. As pessoas começaram a se Juntar em um só lugar para entender melhor o que aconteceu. Momento perfeito para eu sair caminhando sutilmente como se nada tivesse ocorrido.
- Rodrigo!
     "Ouvi ao longe, que merda!"
- Quase nos desencontramos, pensei que não fosse mais ver você...
- Pensei o mesmo... Você está bem?
- Agora estou melhor, foi só um susto.
- O que pretende fazer agora?
- Podemos ir pra sua casa se quiser... - Falou tocando minha mão de leve.
- Posso te fazer uma pergunta?
- Qualquer coisa!
- Mesmo que não vá de acordo com os princípios da moral?
- Fala logo, vai!
     Ela estava ansiosa.
- Você é prostituta?
     A pergunta parece ter chocado ela, não consigo imaginar o que deve estar pensando, mas espero que isso a faça ir embora.
- Posso ser a sua se quiser, mas não quero dinheiro!
     "Agora fudeu, vai achar que eu sou viado!"
     Ela sorria.
- Desculpa, não entendi. - Respondi sem jeito.
- Vou ser mais direta. Como já disse antes, eu sempre quis estar com você, todas as vezes que nos encontramos, mesmo sem falar. Eu só estava esperando a oportunidade perfeita. O desejo que sinto por você, não tenho por mais ninguém.
     "Surpreendente suas palavras, agora serei gay"
- Eu nem sei como te falar isso depois dessas palavras, mas seria injusto não falar após tudo isso...
- Você é casado?
- Não, eu gosto de homens.
     "Essa frase doeu em mim"
- Não gosta não!
     "Como assim, não gosto?"
- O que disse?
- Já vi você com duas mulheres diferentes, e nota-se quando são só amigos. Eu fiz algo de errado?
- Ok, serei bem sincero. Desculpe por toda essa confusão, podemos ir pra minha casa se desejar, lá podemos conversar melhor se quiser.
- O que quer me dizer agora?
- É mais difícil falar do que ouvir, Manuela...
- Prossiga.
- Eu sou impotente, não sinto atração sexual. Não tenho prazer algum.
- ah, poupe-me de suas desculpas, se minha presença lhe incomoda, ou se não faço seu tipo, chute-me simplesmente, mas não faça joguinhos comigo!
     Agora sim, aquele rostinho carente foi embora rebolando furiosa. O que mais acho curioso é que de tantas mentiras que falei, foi justamente a verdade que a afastou de mim.
     O ser humano é assim, por isso que os acho interessantes em alguns momentos, sempre me surpreendendo. Imagino como seria se eu tivesse deixado pra falar isso somente em casa...

Caros leitores, essa história foi escrita em 2016. Eu trabalhava em um bar durante a madrugada e vivia observando situações inusitadas de longe, com personagens da vida real aproveitando os seus desejos íntimos todos os dias. Eu ficava sempre pensando o que estariam  conversando, com isso, escrevi alguns contos com o título "Encontros". Sempre narrando histórias curtas de pessoas que se conhecem e vivem uma pequena história, seja ela romântica ou não, pois a vida nem sempre nos leva a um mar de rosas.

Espero que tenham gostado da leitura e fiquem a vontade pra deixar seus comentários.

Encontros - AtosOnde histórias criam vida. Descubra agora