A Pior Noite de Todas

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Sabe quando você não se sente dentro do seu próprio corpo? Como se tudo ao seu redor não passasse de um sonho e você acordaria a qualquer minuto? Era assim que eu me sentia aquela noite, enquanto encarava aquela menina de cabelos longos e castanhos e olhos verde musgo sem graça, a menina me encarava de volta. Meu reflexo parecia ser mais real e solido do que eu estava me sentindo naquele momento, eu sabia que estava atrasada, eu sentia, mas ainda estava descalça.

-Liv, vamos nos atrasar- minha mãe, Phoebe, gritou lá de baixo, tomei um susto e fechei a porta do guarda-roupa, onde o espelho estava afixado, me ajoelhei no chão e peguei minha sapatilha velha e favorita de debaixo da cama, já que tinha perdido a batalha que travará com os saltos, enfiei meu pé com pressa e desci as escadas.

-Estou indo- gritei de volta já nas escadas- como se isso fosse mudar o fato de que em alguns dias estarão divorciados- comentei baixinho comigo mesma.

Acontece que a noite era a "mais importante noite de todas" de acordo com minha mãe. Ela e meu pai tinham se divorciado fazia dois anos, por "conflito de interesses", não vou mentir, eu tinha esperanças de que eles voltassem a ficar juntos, mas não foi o que aconteceu, ela começou a namorar um cara, e aparentemente estava apaixonada, eu o detestava.

Não me leve a mal, pra falar a verdade eu nem mesmo sabia o nome do indivíduo, toda vez que tocava no assunto minha mãe fingia que não ouvia, ou inventava outra desculpa, ela achava que estava disfarçando, mas passava longe disso. De qualquer maneira, eu odeio o cara por uma questão pessoal, quem gosta do homem que tira todas as suas esperanças de ter sua família de volta?

Minha mãe estava parada do lado do carro de braços cruzados claramente impaciente e nervosa, ela estava de salto e vestido longo o que a deixava bem mais alta, eu estava me sentindo um pigmeu perto dela aquela noite. Sem dizer nada entramos no carro e ela saiu da entrada da garagem.

-Porque não me diz o nome do cara?- perguntei indo direto ao ponto, enquanto afivelava o cinto de segurança do banco do carona- Ele por acaso é algum contrabandista famoso?

-Temos reserva hoje no restaurante de comida japonesa, você gosta desse tipo de comida, não gosta?- olhei para ela admirada e até mesmo um pouco sarcástica, ela me analisou por dois segundos tentando entender porque não tinha respondido a sua pergunta evasiva- Qual o problema?

-Eu quem pergunto- rebati tentando soar calma, mas estava nervosa por dentro- Porquê sempre desvia dessa pergunta?- a acusei.

-Quando que desviei da pergunta?- ela rebateu com seu sorriso nervoso de "Não estou conseguindo enganar minha filha adolescente"

-Está fazendo isso agora- respondi, ela me analisou de novo por alguns segundos, ergui a sobrancelha esquerda acusando a.

-Ah, querida. Não se preocupe, tenho certeza de que vai gostar dele e do filho dele também- ela respondeu, sufoquei um gemido de indignação, eu tinha esquecido que o filho " Exemplo a ser seguido" do meu novo " papai" estaria lá também.

- Ele vai te pedir em casamento- insinuei com uma pontada de dor saindo sem querer na frase

-O quê?!-ela perguntou indignada- Claro que não, quero dizer: só estamos saindo há um ano- ela tentou se defender.

-Um ano, sete meses e catorze dias- corrigi, eu lembrava perfeitamente da noite que cheguei em casa da visita a minha vó, que acabou se estendendo, e encontrei duas taças sujas de vinho na pia, não uma como o usual. Ela me olhou admirada-Mas quem está contando?- Perguntei sarcástica- Mesmo assim, nesse tempo todo eu nem descobri o nome do cara e essa é a primeira vez que ele quer unir nossas famílias... Ou parte delas.

-Colocando desse jeito- ela respondeu baixinho

-Tenho dezesseis, mãe. Sou adolescente, não idiota- comentei e tentei engolir o nó na garganta.

Permanecemos caladas o resto da viajem até o restaurante e não trocamos palavras quando minha mãe falou com o garçom sobre a reserva e ele nos levou até a mesa reservada para "Senhorita Phoebe Stryder", ela se sentou em uma das cadeiras e ficou tensa, como uma águia prestes a dar o bote, varria sem descanso o salão inteiro a procura de sua presa, seu nervosismo era como um quinto membro indesejado desse encontro, eu estava ficando irritada com toda essa tensão, quando ela começou a bater o pé no chão eu não aguentei.

-Você quer parar?- quebrei o gelo segurando a coxa da perna que ela batia- Está me deixando nervosa também.

-Desculpa filha...

- O que foi? Está com medo de levar um bolo duplo?- perguntei sarcástica, na verdade a ideia me agradou, poderíamos voltar para casa e essa palhaçada teria fim, eu poderia mostrara a ela que o melhor a se fazer era voltar com o papai.

-Na verdade... - ela cravou os olhos na entrada do restaurante e a frase morreu, eu sabia o que significava então tinha que olhar.

Virei meu rosto na mesma direção que o dela e todo o meu ser congelou, meu coração acelerou e minha raiva e irritação transbordaram, endireitei minha postura sentindo minhas costas enrijecerem como tábua, ficando em alerta total.

-Você tem que estar de brincadeira comigo- disse para a minha mãe com os dentes trincados- Por favor, diz pra mim que isso foi uma coincidência, que não são eles- ela me olhou com cara de cachorro abandonado, droga.

- Ei Phoebe- o imbecil gritou da porta do restaurante e eu fechei meus olhos por alguns segundos contando até dez tentando não explodir- E veja quem está aqui: Olivia- ele se aproximou e veio me abraçar, mas eu me esquivei, ele ficou sem graça, mas riu nervoso, então foi abraçar minha mãe, o bastardo júnior vinha logo atrás com um sorrisinho insolente no rosto- Fico feliz que tenha resolvido vir, Olivia- ele disse depois de sentar.

-Engraçado... - ri sarcástica olhando diretamente em seus olhos- Achei que tivesse vindo comer comida japonesa, você sabe: peixe cru, mas não sabia que ia ter porco para o jantar também, e veja:...ainda está vivo!

-Olivia!- minha mãe me repreendeu- Peça desculpas agora!

-Não, não, eu entendo- Tom respondeu tentando ser conciliador- Escute Olivia, sei que está muito magoada comigo ainda, mas eu não te culpo por isso, sei que o que fiz foi terrível...

-Ah, por favor- implorei tentando parar com o discursinho de arrependimento antes que começasse.

- Sei que não tenho essa autoridade, mas posso pedir uma coisa simples para você hoje?- cerrei meus olhos com raiva, tentando não me alterar- vamos ficar em paz, só durante o jantar, depois você pode descontar toda a sua raiva, está bem?- ele me encarava com uma expressão séria, esperando pela minha resposta.

-Se me dão licença... - disse fingindo ser sofisticada- preciso ir ao banheiro, acho que acabei de vomitar na minha própria boca- empurrei a cadeira com força para trás e me levantei, ignorando os protestos da minha mãe, eu estava furiosa.

Entrei no banheiro pisando duro e tranquei a porta, nem me dei ao trabalho de conferir se tinha alguém em alguma das cabines, puxei meu celular do bolso e liguei para a única pessoa que poderia me acalmar naquele minuto, chamou algumas vezes e eu estava ficando impaciente até que April atendeu.

-Liv? O que aconteceu?- perguntou preocupada

-April, ainda bem que você atendeu, escuta, estou aqui no tal jantar que minha mãe arrumou com o namorado dela- fui direto ao ponto.

-É mesmo. E como está sendo?- perguntou animada demais para o meu gosto- ele iria levar o filho, né?

-Sim- respondi suspirando, essa era uma das piores partes- mas quando o cara chegou, eu vi que era o Tomas... - a linha ficou muda- April?

-AI MEU DEUS- ela gritou e eu a entendi, porque eu queria fazer a mesma coisa- que idiota! Quem ele pensa que é?

-Exatamente- respondi indignada como o inferno- e você se esqueceu de algo- acrescentei nervosa

-O que eu poderia ter esquecido?

-De quem o Tomas é pai?- perguntei como se fosse uma duvida inocente, mas sabia que ela logo perceberia, ouvi um gritinho do outro lado

-AI MEU DEUS- ela gritou de novo e senti inveja por alguns segundos, porque ela podia gritar, e era exatamente isso que eu queria fazer naquele momento- Jason Hampton- ela respondeu quase sem voz.

-Exatamente- respondi suspirando-isso não pode estar acontecendo April, não pode.

Laços de sangueOnde histórias criam vida. Descubra agora