PS.: De um barco à deriva

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   Escrevi inúmeras cartas, durante todo esse tempo. Dentre elas, estavam nossas lembranças, mas também o meu medo, a raiva, mesmo que de leve, e a saudade.

   Foram mais de sete bilhões de cartas, o que em tese seria uma carta para cada pessoa na Terra, mas todas elas eram para você.

   Nelas, pude contar como as flores desabrocharam e como seu aroma me tranquilizaram na época. As lagartas vieram, e como você deveria saber, corri de pavor, mas logo as borboletas estavam lá, elas me encantaram com a sua beleza enquanto voavam.

   Foi durante a primavera que você brigou comigo pela primeira vez? Eu não me recordo do tempo em que as amoras florescem. Mas por alguma razão, ainda me lembro disto. Parece tão engraçado e infantil quando olho daqui.

   Passou o inverno, como nós não temos neve por aqui, imagino que ainda saiba disso, mas as chuvas eram espessas naquela época. O frio vinha e eu me lembrava de você, que me revestiu com seu casaco, mesmo quando você também estava congelando.
   E mesmo agora, depois de todos esses anos, ainda me lembro claramente do que aconteceu naquela época.

   Não importa quantas estações passem, você não vai retornar e nem ao menos ler estas cartas.

   Há um tempo, eu cansei da terra que me cercava, e agora estou em um barco navegando, velejando no mar, e admirando as estrelas, estamos debaixo do mesmo céu; será que você também consegue vê a lua sorrindo para nós? Que ridículo falar assim, não é mesmo!? Não sei se você se importa, ou se importa tanto ao ponto de não falar palavra alguma.

   O vento sussurra o seu nome para mim, e é quase impossível não chorar com tanta saudade de antes, daquela infância, tem muitos anos que você foi embora, me deixando à deriva.

   Todas as cartas que lhe enviei pelo mar, presas nas garrafas de vidro, encalharam na areia da praia. Meus lápis não servem mais e o papel está quase no fim. Esta é a última garrafa que estou lhe enviando, antes que a maré a deixe escapar e se perca num mar de lembranças vagas, pela última vez, me diga, eu também te fiz chorar?

   Meus olhos sempre pesam depois de certas horas, e se derramam em dor todos os dias…mas, você sabia? Foi uma baleia que me contou… os oceanos estão repletos das nossas lágrimas, e talvez  seja por isso que elas são tão salgadas.
   Ela me disse que, sem exceção, todos vão até a costa, no litoral dos continentes e se derramam sobre a areia, diziam que o mundo era somente um deserto árido, e que depois disso acontecer, estas lágrimas se transformaram em oceanos, por isso que não bebemos a água salgada, em respeito a dor do outro, não devemos tocar no fruto do nosso alívio.

   Mas eu me perdi, e não é mais sobre o oceano de lágrimas, me perdi da amizade que tinha, do amor, e agora da costa, não consigo mais ver as garrafas e nem você, estou me distanciando e nem a baleia consigo mais ouvir, será que é assim mesmo que irei partir, sem que você continue se importando?
Meu lápis chegou ao fim, mas ainda te amo. Se alguma vez você quiser tentar me salvar, vou tentar não me atirar no mar…

Ps.: De um barco à deriva.

561 palavras

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