Capítulo 1

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O trem que deixara a Estação Victoria há quinze minutos ganhava velocidade.
Serena tinha a impressão de que o vagão balançava demais, de uma maneira desagradável. Mas estava feliz com o fato de a sra. Osaka ter insistido em manter as janelas fechadas, impedindo, assim, que a fumaça negra entrasse.
Sentada à frente da patroa, Serena pensava, pela centésima vez, que tivera muita sorte em poder cruzar o Canal e visitar a França; coisa que, aliás, a sra. Osaka não a deixava esquecer por um minuto sequer.
— Muitas jovens — dizia, em sua voz dura, quase irritante — ficariam emocionadas em ir ao continente, mas você teve uma sorte toda especial.
Serena sabia que estava se referindo, mais uma vez, ao fato de ela ter ficado na miséria, com a morte dos pais.
Embora tivesse a esperança de que algum parente se dispusesse a tomar conta dela, na verdade tinha sido uma mulher estranha, que se orgulhava de seu espírito caritativo, quem a levara para casa.

A honorável sra. Osaka era viúva do maior proprietário da cidadezinha onde Serena passara toda a sua vida.
Muitos dos habitantes eram empregados dos Osakas, mas seu pai sempre fora uma exceção, e ela achava, secretamente, que a sra. Osaka indignava-se por não poder tratá-los com ares de superioridade, como fazia com todo mundo.
Em sua generosidade infinita, havia algo que cheirava a triunfo.
Parecia impossível que a sra. Osaka, com todo o seu dinheiro, sua
imensa propriedade e sua casa magnífica, sentisse ciúme da calma e modesta sra.Tsukino, que não procurava se impor. A mãe de Serena, ao contrário da outra, era estimada por todos, por sua simplicidade e simpatia.

A sra. Osaka sempre desdenhara os Tsukinos, até que sua jovem filha ficara órfã e desprotegida. Aquilo mexera com a vaidade dela de uma forma meio obscura.
— O que você teria feito — perguntava constantemente —, se eu não a tivesse tomado como minha dama de companhia, pagando-lhe um salário muito razoável pelo pouco que faz?

Serena pensava que aquilo era injusto. Como dama de companhia da sra. Osaka, ela devia providenciar desde a primeira coisa, pela manhã, até a última, à noite. Havia sempre algo para levar ou trazer, recados para entregar, além de mil pequenas tarefas, muito mais apropriadas para uma camareira.
O pior de tudo eram as horas que perdia ouvindo críticas e queixas, não só a seu respeito, mas a respeito de outras pessoas também.
A sra. Osaka nunca estava satisfeita. Exigia a perfeição, mas Serena pensava, revoltada, que, mesmo que a achasse, nunca a reconheceria.
A moça tinha ficado na miséria, após a súbita morte dos pais, vítimas de uma gripe que grassara em toda a Inglaterra e fizera vítimas mesmo na pequena cidade de Little Coombe.

Tudo acontecera tão de repente que Serena mal podia acreditar que estivesse sozinha no mundo, sem ninguém de quem cuidar ou que cuidasse dela.
A sra. Osaka, como uma benevolente fada madrinha, levara-a para OsakaTowers, e, antes que pudesse secar as lágrimas, vira-se sendo mandada de lá para cá, como um recruta sob o comando de um sargento exigente.
— Chorar não adianta nada — dissera a patroa, áspera. — Durante minha vida, aprendi que não se deve lutar contra o irremediável. Ponha de uma vez por todas na cabeça que é uma jovem de muita sorte, pelo fato de a ter tomado sob minha proteção, e mostre sua gratidão, tentando fazer o que lhe peço.
Isso seria mais fácil, pensava Serena, se houvesse algum método ou rotina nos pedidos da sra. Osaka, mas eles mudavam não só dia a dia como hora a hora.
— Mas a senhora me disse para fazer assim — tentava se explicar, quando era chamada de tola.
— Nunca me esqueço do que disse — fuzilava a sra. Osaka — mas isto é o que quero, e espero que faça como mandei.
Algumas vezes, Serena se perguntava, desesperada, se não seria, realmente, tão estúpida como a outra dizia. Foi só depois de nove meses junto à sra. Osaka que chegou à conclusão de que o motivo da contínua insatisfação da patroa em relação a ela devia-se ao fato de ser uma moça muito atraente. Era impossível esconder a beleza que herdara da mãe, e começou a perceber que, quando sua aparência era elogiada, os lábios da sra. Osaka tremiam de raiva.
A patroa estava agora pelos quarenta anos, mas tinha sido bonita na juventude, e não havia dúvida de que se ressentia com a maneira como todos que iam a Osaka Towers olhavam para Serena, deslumbrados.

O Amor parte à meia noiteOnde histórias criam vida. Descubra agora