Capítulo 2

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Ao se aproximarem de Viena, Serena subitamente sentiu-se em pânico. Até agora, tudo correra de acordo com os planos de Minako, mas ao menos cem vezes por dia ela pensava que as pessoas iriam perceber que não era quem fingia ser.
Todos aceitaram o fato de que estava preocupada, perturbada e ainda em choque, após o acidente do trem. Mas desde o momento em que cruzara o Canal, em uma cabine particular guardada por dois policiais, soubera que a sorte estava lançada e não havia como recuar.
Felizmente, madame Gyula estava em pior estado do que ela. A mulher tinha não só ficado chocada, mas muito amedrontada com a colisão.
A todo momento lamentava o fato de ter sido persuadida a escoltar a princesa até a Lituânia.
— O rei devia ter enviado alguém mais jovem — dizia. — Mas, naturalmente, Sua Majestade confia em mim. O que dirá, quando souber o que aconteceu com Vossa Alteza Real?
— Não posso culpá-la pelo acidente — Serena sentiu-se obrigada a dizer, para confortá-la.
— Como Vossa Alteza sabe, o rei Darien é muito organizado. Espera que todos cumpram rigorosamente suas ordens.
Falava tanto desse amor do rei pela ordem, que fazia Serena imaginar que ele seria alguém tão pomposo e autoritário como o pai de Minako.
Sua mãe lhe dissera que o arquiduque Kakeru era um autocrata, quase um tirano:
— Teria sido muito infeliz com ele. Gosto de pessoas afetuosas e
amáveis, como seu pai, embora às vezes desejasse que ele tivesse um pouco mais de senso prático em questões de dinheiro.
Tinha sido um choque para Serena descobrir, após a morte dos pais, que não só tinham dívidas, mas também que haviam vivido todos aqueles anos em Little Coombe com muito pouco dinheiro.
Seu pai provinha de uma família de militares e seu avô, o general-de-divisão sir Alexander Tsukino, escrevera a ela uma carta formal, por ocasião da morte do filho, dizendo que nunca o havia perdoado por ter deixado o regimento.

A carta do general era rude:
"É impossível para mim ir até o sul, para assistir aos funerais de seu pai, e os dois irmãos dele estão com seus regimentos, na Índia. Você, com certeza, sabe que seu pai recebia de mim uma contribuição, há dezenove anos. Como imagino que tenha sido deixada desamparada, continuarei a lhe mandar metade do total que enviava a meu filho, quantia essa que lhe será paga trimestralmente, através de meus procuradores."
Não havia na carta nenhuma insinuação de que desejava ver Serena. Embora não ficasse surpresa, ela sentira-se magoada ao pensar que ele ainda se ressentia com o fato de sua mãe ter desviado o filho da carreira militar.

A contribuição que Serena receberia era de, mais ou menos, cem libras anuais, o que significava que seus pais recebiam duzentas.
Era o suficiente para mantê-los alimentados, mas agora Serena entendia o porquê de tanta economia, mesmo levando uma vida tão modesta como a deles, em Little Coombe.
Pensara que, talvez, lhe coubesse algum dinheiro proveniente da venda do chalé, que tinha sido comprado com as jóias que sua mãe trouxera da Eslovênia.
Mas o chalé estava hipotecado. Após pagar a dívida e vender os móveis, sobrara tão pouco no banco, que Serena temia pelo futuro. Precisava achar emprego, e, quando a sra. Osaka sugerira que ficasse como sua dama de companhia, vira que não tinha escolha.
Aconteça o que acontecer no futuro, pensava ela, agora terei as duzentas libras de Minako e recordações que, de outra maneira, nunca teria.

Aquilo não impedia que sentisse muito medo.
Queria se convencer de que era tão parecida com Minako que ninguém sequer suspeitaria. Mas sabia que os riscos não eram muito grandes por enquanto, porque estava cercada por pessoas que não conheciam muito bem sua prima.
O sr. Somerset Donington, assim como madame Gyula, só tinham conhecido Minako no dia anterior, ao deixarem Londres. Mas Serena sabia que, ao chegar a Viena, ficaria sob os cuidados de um estadista lituano, quando então viajariam no trem particular do rei.
Fora excitante perceber que, no trem de Calais a Paris, tinha sido engatado um vagão especial para ela. Quisera perguntar se seria possível ver aquela cidade de que tanto ouvira falar, mas ficara desapontada ao perceber que teria apenas tempo para apanhar o trem noturno, no qual atravessaria a Europa, rumo a Viena.

O Amor parte à meia noiteOnde histórias criam vida. Descubra agora