CAPÍTULO I

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A pista de patinação estendia-se diante de mim como algo a ser explorado, a extensão de gelo perfeitamente liso puxando meu corpo como um imã.

Sempre haveria alguns centímetros a serem descobertos, um passo a ser inventado.

Para ter todo aquele lugar só pra mim, pagava um belo aluguel ao proprietário do ginásio em troca das chaves, as madrugadas sendo minhas companheiras em meio ao silêncio que só era preenchido pelo som das lâminas de aço cortando a superfície aos meus pés.

As poucas luzes acima de mim mostravam meu caminho e a solidão da minha mente tinha o único momento de liberdade sem ouvir a confusão de memórias acumuladas na minha mente.

Meus patins deslizavam graciosamente sobre a superfície congelada a cada passada, na pista, a dança que corria por cada membro do meu corpo que simplesmente se portava com suavidade, os giros controlados que preenchiam o ambiente ao bater do aço no gelo ao fim, a sensação gélida do ambiente cortando minhas bochechas, a respiração quente saindo em pequenos vapores em minhas expirações.

Os espetáculos no gelo sempre foram minha perdição.

Uma pena ninguém ter tido a infelicidade de ver alguém como eu caindo de bunda no chão ao tentar um Quad Axel ao fim da coreografia.

Tão frustrante...

Trinta anos de idade, pouco mais de vinte na pista e não conseguia completar aquela apresentação.

Sempre um erro, nunca perfeito o bastante.

Axel é o único dos saltos que possui uma decolagem na borda externa para frente em sua execução, detalhes técnicos que havia aprendido a tempos. Triplo Axel já é difícil com quase quatro rotações, mas a última sendo incompleta. Já o Quad Axel... quase cinco rotações no ar? Insanidade para a física, mas um sonho tão lindo...

Midori Ito foi a primeira japonesa a conseguir um Triplo Axel em 1989, mas o do Yuzuru Hanyu tinha algo a mais na execução, sem previsão para sua realização, levando a plateia à loucura e quase executou um Quad Axel com perfeição.

Os saltos são os mais deslumbrantes, mas ao mesmo tempo uma queda desafiadora, um erro e um bom tempo fora do gelo. Um saco nunca conseguir acertar o que eu mais desejava.

Depois de passar no vestiário para um banho gelado bem rápido, troquei as roupas de malhas pelo uniforme do trabalho, um conjunto negro estampado com duas cobras prateadas entrelaçadas nas costas, jogando os patins com a proteção nas lâminas na mochila. Entretanto, logo após trancar tudo, meu queixo caiu percebendo os primeiros raios do amanhecer e a pilha de mensagens que a minha chefe tinha deixado na caixa de mensagens.

- Droga... - disse esfregando o cabelo desesperadamente enquanto corria até minha moto no estacionamento - A Hattori vai me matar!

Como a cidade ainda despertava, foi bem fácil acelerar pelas ruas, pegando o mesmo atalho de sempre para o centro da cidade, mas já imaginava a multa que ganharia com aquilo.

Não é que eu sempre virava a noite na pista de patinação só pra esquecer meus problemas, mas perdi a noção do tempo quando estava lá e a chefe estava pegando mais plantões na Divisão de Inteligência do que de costume, obra do noivo é claro, então já sabia as longas horas de desabafo dela que me salvariam de ter que cuidar da papelada.

Depois de estacionar a moto em uma das garagens do aglomerado de prédios da base da Divisão, me apressei pelos corredores até o hall de entrada, desviando entre os agentes até os marca pontos na recepção.

A vida de trabalhadora é uma merda, porém não era como se eu quisesse outro emprego. Trabalhar como assistente de uma das mulheres mais fortes do país em seu departamento de agentes de segurança e espiões me rendia um bom salário com benefícios pela periculosidade.

𝐒𝐍𝐎𝐖𝐌𝐀𝐍'𝐒 𝐇𝐄𝐀𝐑𝐓 - 𝐋𝐢𝐯𝐫𝐨 𝐈𝐈𝐈. 𝓢𝓱𝓸𝓽𝓸 𝓣𝓸𝓭𝓸𝓻𝓸𝓴𝓲Onde histórias criam vida. Descubra agora