Os longos fios de cabelo ruivos atrapalhavam a visão da pobre garota por conta do aferrado vento que cobria a atmosfera, trazendo-lhe a temperatura gélida típica de uma sexta-feira no auge de sua obscuridade. O gosto da bile cada vez mais presente em sua boca a tonteava, e seus olhos cobertos por lágrimas incessantes a impediam de ver um palmo à sua frente. Seu choro baixo e desesperado se mesclava ao da criança prematura agarrada em seus braços que aos poucos escorregava de seu busto por conta da fraqueza explícita da recente mãe. Os homens que até agora eram como moscas na parede lhe zumbia o ouvido, causando a si uma dor aguda e irritante por não conseguir entender nada do que as vozes arrastadas tanto tagarelavam do outro lado da rua. Doente e sem esperança, sua primeira reação foi se ajoelhar ao duro piso quando percebeu que as figuras falatórias aproximavam-se de si com uma doma de superioridade sob seus corpos. Se sentia tão cansada e apenas podia se agarrar nas esperanças da boa vontade para que não machucasse o pequeno lactente que tanto já havia visto apesar de suas poucas horas nesse mundo.
Dedos ásperos tocaram-lhe a face a obrigando olhar para cima, apesar de que seus olhos vermelhos e inchados delatavam a desarmonia crescente em sua visão. Seu ego já agora destroçado em milhares de pedaços não lutavam mais para que se reerguesse, esperava apenas e tal piedade prometida por natureza para que não maltratassem seu primogênito, que já não chorava mais apesar do grande desgaste. O ar culminou a se tornar rarefeito pela tensão que era exalada pelos dois homens totalmente inebriados pela bebida, a qual exibiam um fatigante cheiro de álcool que tomou as narinas da jovem moça que tanto se sentia perdida ali na escura rua em sua volta. Passos foram ouvidos atrás de si, que no primeiro momento foram associados à chegada de um possível terceiro integrante para garantir que não sairia dali — como que se de alguma força algo lhe permitiria isso.
"Atrapalho?" A voz tanto bruta quanto doce se alastrou pela calçada silenciosa, obrigando a todos ali se virarem para olhar o dono de tal vocábulo.
Suas vestes, bonitas e ajeitadas contribuíam para sua imagem de homem bem apessoado. Sua postura elegante e firme emanava poder e atitude. Definitivamente não um trabalhador comum, e definitivamente não deveria estar ali. Talvez se não tivesse sofrido tanto nos últimos longínquos nove meses, pudesse ter acreditado que ali estava o seu grande milagre que a ajudaria nessa situação tão insultuosa, mas não iria se agarrar a uma falsa esperança a qual parecia um início de uma agrura ainda maior.
"Atrapalha!" A fala arrastada seguida por um soluço perturbado soou de um dos homens sujos e agora bravos por terem sido atrapalhados em seu momento ajantarado.
Assim, o mais amanhado dentre todos ali segurou firmemente o braço da menina a obrigando a se levantar do piso desgastado a qual havia se desabado. A marca avermelhada dos dedos daquele homem ficaria ali até seu último suspiro, e ela sabia disso.
"Espero então que me deem o privilégio de isenção de minha culpa. Porém, serei obrigado a tirar a jovem moça de seus cuidados." Era educado, um verdadeiro cavalheiro sem a menor dúvida. Mas seu aperto era bruto, doloroso demais. Ele não a deixaria escapar dali, e por isso não havia problema em negociar com bêbados para tal.
Confusos, os homens se entreolharam. Ali o tal garboso se tratava de uma ameaça, um predador mais forte que havia aparecido na mais burlesca hora da confraternização. A mesa não apresentava motivos o suficiente para manter uma briga contra tal, afinal era só mais um pedaço de carne vermelha, certamente eles achariam outro.
"A vontade." Gaguejou um dos tolos presentes. Deram meia volta, e cambaleavam à procura de retornar ao seu ponto de origem sem mais discutir. A cadeira gasta do bar a esperavam e lá estavam seguindo seu caminho de volta para casa.
Os olhos da ruiva, que agora descansavam as lágrimas apesar de todo sufoco, se viraram para a figura atrás de si. Sua dívida de gratidão estava exposta em seu rosto, apesar de não ter tido forças para verbalizar tal sentimento. O homem entendeu o que ela expressava, e assim soltou seu delicado braço e para assim um sinal mudo passar pelos seus dedos indicando para a menina que deveria o seguir. Uma caminhada, agora mais calma mas não menos dolorosa, se incitou ali dentre eles.
"Seu?" Perguntou se referindo a jovem prole que agora dormia profundamente no colo da pequena matriarca. A paz refletida pelo neném era apreciada, afinal ele conseguia descansar mesmo em uma situação tão precária como aquela que se encontrava.
Um acenar silencioso foi o suficiente para saciar seus questionamentos durante o calcorrear que se seguia. A brisa, que até agora era apenas mais um estorvo, se acalmou e gentilmente acariciava o rosto dos que ali passavam enquanto fazia pequenas cócegas em sua pele. A garota então se permitiu respirar fundo pela primeira vez em seu dia. Apesar de estar assustada e cansada, uma pequena parte de si experienciava o conforto e segurança através do homem que a acompanhava mesmo que de maneira rude. Ainda sim, o ar mal passava por seus pulmões e a dor de cabeça infernal não havia sido de maneira alguma apaziguada. A fraqueza e a tontura a clamaram para parar no mesmo lugar, agora já afastado dos animais que a incomodavam. Sentiu assim o corpo ir de encontro com o chão frio levemente úmido por conta da garoa que cobria a atmosfera. O indivíduo até agora quieto e sucinto, se abaixou para assim ameigar os fios escarlate um tanto rebeldes que lhe cobriam a face desesperada, adornando perfeitamente a pequena marca de nascença que adorava seu rosto.
"Por que está aqui?" Ele perguntou. Sua voz não mais bruta e demonstrava apenas a tranquilidade do que sabia o que aconteceria ali. A pergunta a fez desabar. Contou dua história, o motivo de uma jovem que nem havia alcançado a maioridade estar andando por essas ruas tão desconhecidas e perigosas enquanto segurava um delicado neonato em seus braços. O homem se emocionou, deixando assim uma solitária lágrima se arrastar por sua bochecha enquanto acarretava o último pedido da menina. Segurando o pequeno garotinho em seus braços, viu a menina deixar o mundo material, morta pela ignorância humana e pelo choque hipovolêmico, presente de sua desleixada gravidez.
Mais tarde naquela mesma noite, já afastado das ruas onde tanta desfortuna teria acontecido, em sua casa de bairro nobre, o homem chegou no lugar onde por muito tempo teria chamado de seu penates. A porta de carvalho escuro rangia alertando a quem estivesse ali que teria chegado. Um garoto, pele pálida, cabelos tanto escuros quantos seus próprios, se aproximou correndo em seus desajeitados passos infantis. Um sorriso banguela tomou conta do rosto do pequeno, enquanto uma pequena rajada de confusão e curiosidade ultrapassava suas linhas de pensamento.
"O que é isso papai?" Perguntou ameninado, enquanto seus grandes olhos desalumiados se concentravam em descobrir o que teria dentro dos trapos amundiçados que o pai segurava como um tesouro perto do peito.
O homem se abaixou, ficando assim o mais próximo possível do que seria os noventa centímetros de altura do que o menino a sua frente apresentava. Vagarosamente ele desenrolou os panos, mostrando assim um jovem bebê frágil e delicado que dormia calmamente enquanto inconscientemente exibia os seus cabelos tão dourados como o sol e as pequenas marcas riscadas de nascença tão ostensivo em suas bochechas
"É seu novo irmãozinho. O nome dele é Naruto"
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Esperanza
Fanfiction"Era uma noite tão escura E sozinha estava a voltar Pra sua casa do trabalho Que não conseguia gostar Ruas e bares e nos postes esses bêbados a gritar..." O conto de maria.