Carta Branca
"Onde está você agora? Quando a gente gosta, é claro que a gente cuida."
- Caetano Veloso
Um misto de sentimentos se instaurou no corpo de Helena quando viu aquela cena na sua frente. São muitas camadas. Desceu do carro e deu de cara com seu marido segurando a ex-namorada pelo braço. Virou o rosto e deu de cara com seu único filho que acabará de sair da delegacia. Seu corpo estremeceu de raiva e de medo, seus olhos verdes fuzilavam o marido. O mesmo sentimento de 25 anos atrás naquela festa que foi decisiva para seu futuro.
— O que é que tá acontecendo aqui? — sua voz saiu mais trêmula do que esperava enquanto encarava Jonas e Adriana. Seus olhos logo tomaram outra direção, Giovanni a sua frente, conseguiu sua atenção assim como Isis. As duas tem uma discursão rápida e ríspida até serem apartadas. Jonas esclareceu a mulher que ela não precisava estar ali, que ele já tinha resolvido tudo.
Entraram no carro e poderiam ter ido o caminho inteiro sem dizer uma só palavras, mas Helena não iria fazer isso. Expressou sua raiva da jovem mulher que teve a ousadia de enfrenta-la. Expressou o medo de saber que seu filho estava detido. Expressou sua insatisfação do marido não a ter comunicado do ocorrido, que foi contraditado por ela estar em uma reunião festiva com as amigas e que não queria incomodar. Helena fuzilou Jonas com o olhar que deixou sua explicação pela metade.
Em casa, Giovanni decidiu que não permaneceria na sala para presenciar mais uma briga dos pais. Assim que entrou no ambiente se dirigiu para o quarto deixando Helena, que antes falava, perplexa com a boca entreaberta com a afoiteza do filho. Seus olhos rapidamente lagrimejaram e ela olhou para o marido, sentado na poltrona a sua frente virando um copo com whisky. Jogou seu salto no chão, pegou sua bolsa e foi para o quarto.
[...]
A mulher acabará de sair do banho, seu corpo envolto pelo roupão branco, seu cabelo preso e o rosto limpo de qualquer maquiagem que havia feito mais cedo. Encontrou Jonas sentado na beirada da cama olhando para o nada e ela não sabia o porquê, mas aquilo a incomodava. Vê-lo assim. Helena sentia medo. Esse é o sentimento.
— Você nem me perguntou como foi o encontro — disse sentida da falta de atenção do marido.
— Como foi o encontro? — pergunta sem qualquer expressão de interesse.
— Nossa — sorriu desacreditada — Não foi bom, mas também não foi ruim. Diante das circunstâncias... Bebemos, conversamos, até dançamos acredita. Você lembra daquela música com coreografia? — olha para ele que acena e sorri. — Mas depois que a Natália chegou, a Adriana teve que ir embora... Jonas... Você não...
— O que, Helena? — levanta e a olha incrédulo.
— Você realmente não teve notícias dela nesses 25 anos? — se aproxima ficando cara a cara com ele e pergunta receosa da resposta.
— Eu não acredito nisso... — ele se afasta e anda pelo quarto logo voltando a posição que estava. — Eu não acredito que você tá me perguntando isso, Helena. Como eu poderia ter tido notícias da Adriana? Me diz?
— Eu não sei... não sei — sua voz fica trêmula e falha. — Quando eu cheguei na delegacia...
— Chega! — Jonas grita e Helena sente seu corpo estremecer e seus olhos encherem de lágrimas. — Por que você tá assim, Helê? Eu não sabia da Adriana até hoje, eu juro.
— Jura? — seus olhos imploram e tentam buscar algum resquício de verdade nas palavras do marido.
Jonas não a responde, apenas puxou Helena para um abraço longo e apertado. Passava as mãos pelas costas da mulher, beijava seu cabelo e sua testa. Ela desencaixa o rosto da curva do pescoço do marido e ergue a cabeça lhe dando um leve sorriso que é retribuído com um beijo suave.
— O que tanto vocês conversaram no encontro, hum? — Jonas passa a ponta de seu nariz no dela, que sorri e ele beija sua bochecha.
— Jogamos aquele jogo de perguntas, lembra? A Lara perguntou quais de nós tivemos filhos... — Helena senta na beira da cama e Jonas a acompanha ficando ao seu lado mexendo em seu cabelo e acariciando enquanto ela continua a falar. — A Adriana falou que tinha tido uma filha... — ela revira os olhos — Lara teve duas meninas e eu contei que tivemos o Giovanni... — eles sorriram — Mas ela... Ela, a Adriana, questionou o porquê apenas um se você queria muitos filhos...
— Meu amor... — Jonas percebe os olhos da mulher ficando tristes com aquele assunto.
— Eu expliquei para elas, do meu problema no parto... Enfim, bebemos e dançamos. Fim — Helena sorri sem vontade, iria levantar da cama, mas Jonas segura sua mão e ela o encara. — Eu sei que sempre falei que não nasci para ter vários filhos, mas... Eu queria tanto ter de dado mais um... — disse com a voz embargada e o olhar baixo.
— Helê...
— Só mais um — ela sorri enquanto uma lágrima descia por sua bochecha, que logo foi secada por Jonas. — Uma menina. Nossa menininha... Você queria tanto uma menina.
— Não era pra ser, amor! — acariciava seu rosto e alisava seu cabelo. — Eu sou muito feliz e grato pela vida do Giovanni... E pela sua vida também. Nós quase perdemos você para aquela doença. Você mal comia, vivia deitada nessa cama, não falou quase nada por meses depois que chegamos com o Giovanni bebê.
— Eu não sentia vontade de nada, Jonas — se acomoda na cama e logo sente os braços do marido envolvendo sua cintura e a apertando contra seu peito. — Você foi pai e mãe pro nosso filho no início, eu não conseguia cuidar dele, sentia um vazio no meu peito... No meu ventre — sentia a respiração de Jonas contra seu pescoço e nuca, ele a ouvia calmamente, sempre foi um bom ouvinte. — Eu lembro que... Que você o pegava no meio da noite, quando ele estava chorando, o trazia pra cama com a gente e tirava meu peito da camisola e o acomodava ali — sorri com a lembrança. — Ficava ali, acordado até que ele terminasse e o colocava de volta no berço. Você foi muito forte!
— Helê — vira o rosto da mulher e beija suavemente seus lábios.
— Você cuidou de nós dois. De nós três — fecha os olhos e respira fundo. — Eu não fui uma boa mãe ou uma boa mulher naquela época... Eu dou o meu máximo sempre, Jonas. Agora. Tenho medo de perder vocês!
— Quando você reagiu... — fez uma pausa. — Acho que nunca fiquei tão feliz. Te procurei na cama naquela noite e você não estava, eu gelei, Helê — ela acaricia o braço dele envolta dela — Te procurei na varanda, no banheiro, eu pensei que você... — ele para de falar ao lembrar daquela noite, fecha os olhos e prossegue — Mas aí te achei onde eu menos esperava, mas onde eu mais queria que você estivesse desde o início: No quarto do nosso filho, com ele nos braços o amamentando.
— Quando eu o escutei chorando, acho que foi um chamado... Por mim — sorri fraco — Ele precisava de mim, amor. Eu tinha que reagir de alguma forma.
— Eu acho que você tá cansada, meu amor — ele acaricia o cabelo dela, tirando alguns fios de seu rosto e beija sua bochecha.
Seus lados estavam trocados na cama, mas Jonas não se importou com aquilo. Aconchegou sua mulher em seus braços e a observou pegar no sono. Antes de fechar os olhos para também dormir, implorou a qualquer Santo para que tirasse essa culpa dela, que não remoessem mais esse assunto, que fosse superado... Esquecido. A beijou e fechou os olhos.