Cadê

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Carlos Eduardo Farias de Oliveira (mais conhecido como Cadê), 13 anos, sem amigos próximos, com muito tempo de sobra e uma hiperatividade que não se contém.
Cadê gosta de se aventurar em matas, rodovias e casas assombradas para passar o tempo. De fato, ele não encontra muita coisa, mas só com sua mente criativa ele faz daqueles lugares grandes aventuras. Para ajudar em sua jornada, ele data suas histórias em seu caderno, sempre registrando todas suas "descobertas":

Dia 30 de fevereiro, consegui entrar na casa do Seu Zé que já morreu. Pensei que fosse mais amedrontadora... Tem ainda algumas fotos de família, coitado do Seu , ele morava sozinho. As fotos de família são antigas, são em preto e branco. Todos parecem felizes nas fotos.
Tem uma moça de pé, provavelmente com 25/26 anos, cabelo cacheado e amarrado em um pentado, ela sorri tímida. Tem também um senhor sentado na poltrona, com um terno (ele é o único que esta sério na foto e me lembra um pouco o Seu Zé). Tem também mais duas crianças, um deve ter uns 10 anos de idade e sorri brilhantemente para a foto e a outra criança é menor e deve ter uns 5 anos, está sentado no chão com um carrinho feito de madeira e também sorri brilhantemente para foto.
Visto que seja bem provável de Seu Zé ser a criança mais nova, gostaria de saber o que aconteceu com seus pais e seu irmão...
Olhei na sala de descanso, tem um abajur de pano verde na sala, ao lado da poltrona da foto. Tem mais duas poltronas, uma deve ser vermelha, mas não dá pra saber porque está coberta de poeira e toda mofada e a outra é igual.
Meu nariz está coçando, confesso. Mas ainda temos muitos cômodos para vasculhar.
Fui até a cozinha, que não demorou muito e saí de lá, o cheiro podre era forte, com certeza algo morreu ali. Os barulhos dos ratos também não era muito convidativo.
Voltei a sala e então tomei coragem para olhar para aquela escada medonha que estava no canto. Parece que há várias sombras naquela escada, dá arrepio só de olhar. Ela é de madeira e eu não queria arriscar ir lá em cima. Então decidi sacudir aquela poltrona ao lado do abajur e me sentar ali, enquanto observava mais algumas fotos antigas da família do Seu Zé.
Foi então que eu percebi que em uma das fotos não estava mais a moça (possível mãe de Seu ). O que será que aconteceu com ela? Bom, talvez, quem sabe ela deva ter se cansado de ter casado com um cara tão sério que nem para fotos sorria e decidiu se divorciar. Ou então ela deve ter tido uma briga feia e o Pai de seu assassinou a própria esposa! Não... provavelmente foi a primeira.
A foto em que a moça não está, é uma foto estranha, os filhos não estão sorrindo muito e digo até que perderam o brilho em seus olhos.

Achei algo! Enquanto olhava melhor a moldura da foto, achei uma carta.... Meus amigos, achamos uma relíquia!

"Martha de Oliveira, obrigada pelo seu amor, obrigada pela sua dedicação, tudo o que você fez pela nossa família, pelos nossos filhos, nada disso seria capaz se você não estivesse sempre com seu sorriso amoroso e seus cuidados por perto. Você foi a mulher que escolhi para estar ao meu lado pelo resto de minha vida e eu peço perdão por não ter demonstrado isso tão abertamente. Todos os momentos em que eu olhava para você e para nossos filhos eu agradecia a Deus, porque eu não poderia ter uma família mais maravilhosa e bela que esta. Quando o Antônio nasceu, eu vi ali um primeiro passo para uma grande jornada ao seu lado e de nosso primogênito. Depois veio nosso segundo filho e a vida se tornou mais completa. Com o seu carinho, com nossos filhos e com nossa casa nada poderia ser melhor. Eu sabia que ali seríamos felizes para sempre. E então você ficou doente, você se recusou a fazer-nos sofrer vendo você morrer, então se internou em uma clínica e nunca mais nos vimos. Mas saiba meu grande amor, que desde o primeiro momento em que ti vi, jovem, bela e tímida que se preocupava com todos, ali eu já te amei, e mesmo que passe milhares e milhares de anos e que nosso amor não exista mais neste mundo, o que nosso amor construiu não irá ruir! Obrigado pela tua companhia, por você fazer parte da minha vida, por você ter construído uma vida ao meu lado e obrigado pelos nossos lindos filhos, Antônio e Fabrício. De seu amor até a eternidade: José"

Oquê?? Seu Zé é que era o Senhor da foto? Nossa, como ele já parecia velho quando era mais novo...
Nem acredito que a moça morreu.
E o Seu teve dois filhos!!

Cadê tinha uma mente mirabolante e curiosidade demais e só de ter encontrado está carta sua felicidade foi tanta que esqueceu o horário de voltar pra casa.

-CARLOS EDUARDO!!!

Vish... É a mãe do Cadê.

-CADÊ VOCÊ GAROTO?!

Bom, resumindo, Cadê sempre fugia de casa para suas aventuras e sua mãe sempre corria atrás dele para procurá-lo. Uma vez ele se perdeu na floresta e até a polícia foi envolvida nisso...

-Tô indo mãe!

Cadê saiu de dentro da casa abandonada e foi pra sua, que coincidentemente era na frente.
Chegando na porta de casa, como de costume, levou dois petelecos na orelha e entrou pra dentro de casa.
Hoje era aniversário de 60 anos do avó de Cadê.
Todos estavam já reunidos em volta da mesa e seu vô estava alegre já batendo palmas esperando todos começarem a cantar parabéns.. Após as felicitações, Cadê chegou perto de seu avô, o abraçou e deu a ele a carta que havia encontrado na casa abandonada.

-Vô Fabrício olha o que eu achei na casa do Seu Zé!

Seu vô olhou pra ele com ternura e sorriu.

-Meu filho, já disse a você que não deve mexer nos pertences daquela casa! Alguém um dia vai querer ler a história dessa casa e não vai ter o que contar... Quando puder coloque no lugar ta bom? Seu biso vai ficar orgulhoso de você!

Ele deu um beijo na testa de Cadê e seguiu até outro familiar.

-MAS quem iria até aquela casa imunda e cheia de sujeira??
Falou Cadê.

Seu avô se virou e disse:

-Se você foi, outros irão...

Sorriu e se voltou para o familiar a sua frente.
Logo após isso Cadê sentiu outro peteleco em sua orelha, era sua mãe.

-A casa não está suja Carlos Eduardo! Para de inventar coisa menino. Ela só está empoeirada, não tenho tido tempo pra ir lá limpar...

Cadê se desculpou com sua mãe e foi comer os doces que haviam na mesa..

De fato a casa não estava abandonada, mas para Cadê, só de saber que não havia ninguém morando lá, isso já era aventura na certa. O cheiro que ele sentiu era naftalina e mofo. A escada rangia e os cômodos do andar de cima não tinham luz.
Cadê adorava as histórias do vô e sempre pedia que ele contasse como era sua infância, mas Cadê mesmo nunca tinha se aventurado em descobrir mais, até o dia que ele decidiu dar um presente para seu avô. Algo que ele não esquecesse, algo que era comum entre eles. Mas até então, mal sabia Cadê que seu avô já havia lido e relido aquele discurso de memorial mais de uma vez, lembrando do amor que seus pais tinham um pelo outro e como ele desejava ter algo assim também. Seu irmão mais velho Antônio faleceu um pouco antes de sua esposa, e o que sobraram foram as memórias e a família que ambos construíram, levando o legado dos Oliveira por onde fossem. E se depender de Carlos Eduardo, esse legado não vai morrer.

Contos do sorrirOnde histórias criam vida. Descubra agora