O encontro

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Segurando-me do lado oposto ao parapeito de segurança, o vento forte batia contra o meu corpo, gelado e insistente, como se tentasse me empurrar. Talvez essa não fosse a maneira mais inteligente de acabar com tudo, mas a ideia de ceder ao penhasco escuro à minha frente parecia a única coisa que fazia sentido. O abismo não apenas me observava, ele me chamava, quase como uma promessa de alívio. Se eu bloqueasse o som do meu coração disparado, conseguia até ouvir aquele chamado, um sussurro que vinha do vazio. Engoli em seco a última gota de saliva que restava, o peito apertado, e respirei fundo, olhando para o céu estrelado. Longe da cidade, tudo parecia mais vívido, mais real. Fechei os olhos, tentando sentir qualquer coisa que não fosse essa dor que me consumia, estiquei uma das pernas em direção ao nada.

Então, uma voz cortou o silêncio, o que até então parecia embalar minha queda inevitável.

— Poxa, já fiz muita coisa louca na vida, mas pular sem paraquedas num abismo? Essa coragem eu não teria, não.

Abri os olhos de súbito, o susto correndo pelas minhas veias como um choque. Não era para ninguém estar aqui. Essa área tinha sido fechada há meses, justamente por risco de acidentes.

— O que você está fazendo aqui? — A minha voz saiu trêmula, cheia de incredulidade, oscilando entre o medo e a surpresa. — Não era pra ninguém estar aqui!

— Exato. Não era pra ninguém estar aqui... especialmente desse lado aí. — A garota, com cabelos lisos e olhos que pareciam brilhar à luz das estrelas, sorriu tranquilamente, como se a situação fosse a coisa mais natural do mundo. Ela apontou com a cabeça para o precipício. — Não sou bombeira, nem vou tentar te convencer de nada, mas, já que está com tempo, será que pode me ajudar com algo? Antes de... bem, antes de pular?

— O quê? — Segurei-me mais firme no parapeito, o coração ainda acelerado pelo susto. Se eu fosse morrer, que pelo menos não fosse por acidente.

— Meu nome é Raelly Joy, e eu viajo o mundo procurando o sabor da vida.

A frase dela pairou no ar, meio absurda, mas cheia de uma certeza desconcertante. Meus olhos a seguiram, ainda tentando processar o que ela tinha acabado de dizer.

— Sabor da vida? — perguntei, tentando disfarçar minha confusão.

— Isso mesmo. — Ela se aproximou do parapeito, agora do meu lado, encostando as mãos no metal frio, mas olhando para o horizonte com uma serenidade que me intrigava. — E queria saber... qual o sabor da sua vida que te trouxe até aqui?

Aquilo me pegou desprevenido. A pergunta era simples, mas parecia carregar um peso que eu não estava pronto para lidar. Sabor da vida? Que sabor minha vida tinha, afinal? Amargo, certamente. Mas como alguém podia falar disso como se fosse algo tangível, algo que você pudesse realmente provar?

— Vamos lá — ela continuou, como se estivesse me desafiando. — A vida não tem só um gosto, certo? Que graça teria se fosse apenas um? Claro que o doce é bom, mas você não iria querer comer doce para sempre, certo? Eventualmente, ia enjoar e desejar algo diferente. O mesmo vale para os outros sabores que a vida nos oferece.

Raelly jogou sua mochila grande no chão e se inclinou levemente sobre o parapeito, os olhos vagando pelo céu estrelado, como se o infinito estivesse ali, ao alcance dela. Sua voz, embora calma, carregava uma paixão contagiante, como se cada palavra fosse uma revelação.

— Conforme crescemos, nos deparamos com novos gostos, aprendemos a apreciar a complexidade de cada um. Se prender a apenas um sabor... bem, é como perder todos os outros que ainda estão por vir. Talvez a vida seja isso — ela olhou para mim, seus olhos cheios de uma sabedoria que parecia muito além da sua idade. — Deixar que esses sabores dancem pela nossa boca sem apego, sem medo. E, assim, aprender o verdadeiro gosto de viver.

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⏰ Última atualização: Oct 07 ⏰

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