Prólogo: Willow Circe

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    Apesar de ser uma noite de verão, eu ainda consigo me lembrar da ponta de meu nariz congelando. A poça de sangue ficava cada vez maior, e eu já não tinha mais espaço debaixo da mesa para afastar meus pés.
~

    Meu nome é Willow Circe, atualmente tenho dezessete anos, mas a história que vou lhes contar hoje se passa a 9 anos atrás. Vivia em uma casa modesta nos limites entre o vilarejo e a floresta, a casa dos vizinhos mais próxima ficava mais de 400 metros de distância, apesar de longe, nossa vida era muito boa, meu pai viajava para cidades vizinhas para trabalhar construindo casas, ele ficava semanas fora, mas sempre que voltava era recebido por minha mãe e minhas irmãs com um sorriso no rosto, minha mãe, uma frágil mulher, trabalhava costurando roupas, ela acumulava vários pedidos, assim precisava ir apenas uma vez por semana entregar as roupas. Eu era a mais velha de mais duas irmãs, Cornelia e Taranee, as gêmeas de seis anos, eram parecidas comigo, cabelos cacheados ruivos e olhos verdes como esmeraldas. Poderíamos ter tido uma vida inteira de paz, se não fosse por um motivo, o pecado humano nos destruiu, a ganância.
    Em uma certa tarde, após meu pai retornar para casa, decidimos fazer um piquenique na floresta perto de casa, após passar horas rindo e comendo, minhas irmãs acabaram adormecendo, e eu estava apenas com os olhos fechados e as protegendo em meus braços, meus pais acreditaram que eu estava dormindo devido a tranquilidade em meu rosto, quando eles se afastaram um pouco de nós e se encostaram ao lado de uma árvore, não vi problemas em continuar quieta, não fazia mal eles pensarem que eu ainda estava dormindo. Foi quando ouvi do que se tratava, estávamos sem dinheiro, o emprego de meus pais não estava pagando o suficiente para sustentar todos nós, ouvia minha mãe chorar enquanto meu pai a consolava. Até que um silencio assustador tomou a conversa dos dois, e minha mãe disse:
    — Eu sei como salvar nossa família da miséria.
    Minha mãe então começou a falar de sua irmã, um membro da família que eu nem mesmo sabia da existência, segundo ela, aquela mulher tinha algo para nos ajudar. Meu pai apenas concordou. Em seguida nossos pais nos acordaram e voltamos para casa depois daquilo como se nada tivesse acontecido, fiquei confusa com a conversa deles, então pelas próximas semanas me preocupei em descobrir o que estava acontecendo, e quem era a tal mulher que seria nossa salvadora. Mamãe precisou sair para entregar roupas, meu pai estava dormindo no sofá e minhas irmãs brincando no jardim, vi ali a brecha perfeita para entrar no quarto de meus pais e procurar por mais segredos. Enquanto revirava o armário uma caixa acabou caindo na minha cabeça, aquilo acabou fazendo um corte em mim e sangue escorreu por minha testa, ignorando a dor eu peguei o objeto em mãos, a caixa de madeira era decorada com adornos de ouro, e uma figura de bode estava estampado na tampa. Não sabia o motivo, mas me senti atraída por ela, então a escondi em meu quarto.

(...)

    Meses se passaram e eu não havia descoberto nada sobre a minha tia, então acabei desistindo, mas como se fosse um milagre divino, nossa família começou a prosperar, ficamos muito ricos e ainda mais felizes. O verão chegou, e preparávamos bolo para o meu aniversário, quando uma mulher de longos cabelos vermelhos, muito parecida comigo, entrou pela porta as pressas, ela usava roupas extravagantes que deixavam grande parte de seu corpo exposto, respirava de forma ofegante, mas apenas quando percorri os olhos por todo o seu corpo eu pude notar uma ferida em seu abdômen, ela caiu de joelhos pela porta da frente, sua boca jorrava sangue. Enquanto eu e minhas irmãs gritávamos de pavor, meus pais foram-na ajudar.
    — Me desculpa...
    Choramingou a mulher segurando as bochechas de minha mãe. Ambas choravam.
    — Eu tentei esconder vocês da mamãe..., mas agora ela está furiosa. — Tossiu mais sangue.
    — Diga a ela que não temos nada do que ela quer! — Mamãe gritava entre lágrimas.
    A mulher fechou os olhos, como se tentasse afastar a dor, ela negou com a cabeça.
    — Mamãe a quer... — Começou a levantar o dedo em nossa direção. — Ela precisa da Willow...
    Meu coração congelou quando a última palavra que minha tia disse foi o meu nome.
    Não tive muito tempo para assimilar aquele acontecimento, pois meus pais começaram a correr pela casa, afirmando que deveríamos fugir dali o mais rápido possível. Era noite lá fora, e preparávamos a mala enquanto o choro de minhas irmãs preenchia a casa. Eu apenas segurava a caixa que havia pegado de minha mãe com força nos dedos, eu sentia que ela era meu único consolo. O choro das gêmeas cessou quando ouvimos um barulho vindo do primeiro andar da casa, a porta da frente sendo completamente esmagada. Ao longe, o primeiro grito que ouvimos foi o de meu pai.
    — Cheiro de magia...
    Minha mãe disse olhando ao redor confusa, até que ela pousou os olhos em mim e notou o que eu segurava em mãos, com um suspiro de espanto ela puxou a mim e a minhas irmãs pelos braços e começamos a descer as escadas correndo. Já era tarde demais para salvar meu pai, assim que olhei para porta, vi seu corpo completamente dilacerado, com os braços e pernas arrancados. O pior ainda estava por vir, impedindo nossa saída, uma criatura bestial estava parada comendo o resto do cadáver de minha tia. A fera nos notou, e minha mãe nos puxou para a cozinha, ela trancou a porta de madeira e começou a empurrar os armários para impedir a passagem da criatura, assim que ela terminou a barricada improvisada as batidas na porta pararam, e ficamos calmas. Ela abraçou minhas irmãs com força, mas o nosso alívio durou pouco, pelo canto dos olhos vi uma sombra rápida passar do lado de fora através da janela, o vidro atrás de mim se quebrou, guiada pelo impulso eu deslizei para baixo da mesa de jantar, segurando a caixa contra o peito, mas minha mãe e minhas irmãs não conseguiram agir rápido como eu, a única coisa que ouvi foi o barulho de seus três corpos sendo esmagados contra a porta da cozinha. Precisei engolir o choro enquanto escutava a criatura devorar cada parte de seus corpos, podia ver o sangue perto de mim.
    Apertei o objeto em minhas mãos e implorei, para qualquer um, qualquer deus, qualquer coisa. Eu queria que aquele pesadelo acabasse, eu não queria mais sofrer ali. Foi quando a caixa começou a tremer e eu vi uma fumaça saindo dela. Agralan, um demônio poderoso surgiu, ele aniquilou a criatura com facilidade, mas quando eu achei que seria o próximo alvo ele se abaixou, um demônio alto com uma capa e cabeça de bode levantou a toalha da mesa, eu estava tremendo e sentia as lágrimas escorrerem por meu rosto, antes que pudesse olhar para a porta e ver como estavam os corpos da minha família, Agralan entrou na minha frente, não me permitindo ver.
    — Você me invocou, agora devo servi-la.
    Antes que conseguisse dizer algo ele esticou os braços e colocou as mãos enluvadas por baixo de meus braços. Pousou a mão de forma delicada sobre meus olhos, tampando minha visão.

(...)

    Quando acordei na manhã seguinte, eu estava nesse maldito orfanato, onde me encontro até hoje. Agralan seguiu me servindo e me ajudando, e eu me mantive devota a ele.




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⏰ Última atualização: Oct 04, 2023 ⏰

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