Prólogo

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Um foco de luz se acende, revelando uma figura envolta em trapos velhos e surrados que segura um pequeno relógio de bolso. O relógio balança de um lado para o outro, e a criatura parece estar mastigando o tempo, mesmo sem levar nada à boca; o relógio continua em movimento constante.

— Ob-je-to. É o que sou nes-te mo-men-to.

As falas da criatura são sempre pausadas entre as sílabas. O relógio cai, mas a criatura mantém a contagem dos segundos nos dedos da mão, alternando entre o dedo indicador e o dedo médio.

— Ob-je-to. É o que so-mos nós. Ob-je-tos distópicos de um u-ni-ver-so sem senti-do. De-vo-ro-te os se-gun-dos que ficam pa-ra trás.

A cada quatro segundos contados nos dedos, a criatura muda sua posição, mas mantém a contagem sempre no mesmo ritmo. A voz se duplica entre homem e mulher, e os membros de seu corpo também são duplicados. A criatura é andrógina, antes da separação.

— O tempo que se vai, eu mastigo, sem distinção de qualidade. Sou do universo o me-nos te-mi-do.

A voz alterna em volume a cada segundo, enquanto a dança de quatro segundos continua; os trapos da criatura soltam muita poeira sob a luz do holofote.

— Num tic-ta-quear você não me vê. Não me sen-te. Sem sen-tido pa-ra ti.

A criatura alterna entre imagens estáticas, mantendo sempre a contagem nos dedos. A fala ocorre enquanto a criatura se move.

— Um segundo atrás de ti. Você foge de mim a cada segundo, mas irei te alcançar. Sem dis-tin-ção de qua-li-da-de, você che-gou até a-qui.

A criatura se estatifica em uma imagem que mantém a contagem.

— O tem-po na-da mais é do que aquilo que vo-cê faz de-le.

A criatura, vagarosamente, gira ao redor do próprio corpo, os movimentos alternam-se bruscamente em direção e velocidade, mas a contagem permanece constante.

— Deste prólogo eu i-rei te a-com-pa-nhar. Daqui para todo o livro, a-guar-dan-do vo-cê tro-pe-çar.

A criatura se joga ao chão, deixando apenas a mão que faz a contagem erguida.

— So-mos ob-je-to do tem-po, e a gen-te faz do tem-po o que qui-ser de-le.

A luz se apaga, e ao fundo, quase imperceptível, fica o som de tique-taque.

— Até você tropeçar.

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