Capítulo 1

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Eu estou doente.
Não.
Eu sou doente.
E, como um Kamikaze, eu vou morrer. Eu sei que eu vou morrer. Eu comecei tudo isso justamente para isso: morrer.
Eu quero morrer, mas ao mesmo tempo, não quero. Eu não quero me matar rapidamente. Pelo contrário, eu quero morrer lentamente, eu quero parecer doente, eu quero que as pessoas olhem
para mim e pensem: 'coitada. Que Deus a ajude'.
-Não vai comer nada?- Jenna pergunta enquanto comprava seu rotineiro almoço de terça feira: hambúrguer da cantina.
Ela se sentou no balcão esperando por seu pedido. Pegou alguns sachês de ketchup
-não. Não estou com fome na verdade- Falei me sentando ao lado dela. Minhas pernas balançando no ar por causa da altura do banco.
Eu peguei meu celular e ela pegou seu hambúrguer; deu a primeira mordida e eu pude lembrar do maravilhoso gosto da maionese artesanal da escola.
-Jenna, eu vou para a biblioteca, beleza?-
Ela assentiu comendo seu hambúrguer. Eu me levantei rápido. Senti tontura e minha visão ficou preta. Era algo que sempre me acontecia, e, honestamente, eu ficava feliz quando acontecia.
Jenna é uma boa amiga e uma boa pessoa, mas às vezes, eu sinto que ela gosta de competir problemas. Sempre vendo quem tem a pior vida e sempre sai como vencedora. Ela também gosta de chamar atenção, principalmente dos garotos. Acho que é porque ela não recebe muita atenção da mãe, que é professora do jardim de infância da nossa escola, está sempre fora de casa, é claro. É por esse e outros motivos que Jenna não sabe que eu sou doente. Se eu contar para ela, é capaz de ela aparecer com a mesma doença segundos depois.
De qualquer forma, eu a entendo. Ela é uma boa amiga.
Eu abri a porta da biblioteca com um empurrão, sentindo o ar condicionado bombando vazando para fora e indo direto para a minha cara.
Eu gostava da biblioteca. Além de ter muitos livros, era um lugar ótimo para dormir. Em dias quentes era um ótimo refúgio por causa do ar condicionado exageradamente gelado.
Alguns muitos lances de escada me aguardavam. Eu subi em silêncio segurando no corrimão. Atividades básicas, como subir escadas, por exemplo, me deixaram estranhamente cansada. Estava tonta, mais uma vez.
Como um kamikaze, eu sabia que coisas desse tipo aconteceriam e sabia que com mais frequência aconteciam, mais doente eu estava. Não pude controlar uma leve excitação.
Em uma das mesas da biblioteca, eu vi meu irmão com uma garota...Uau. Eles estavam provavelmente estudando. Me sentei o mais longe possível, mas perto o suficiente para conseguir vê-los.
Apoiei minha cabeça na mesa e fiquei os observando. Era o que eu fazia: observar.
Eu observava e imitava. Era assim que eu vivia. Buscava alguém interessante para observar, observava por algum tempo e depois, passava a me parecer com a pessoa escolhida. Era assim por um ou dois meses. Depois, eu enjoava da pessoa e voltava a ser eu.
Meu irmão e a garota estavam estudando. Provavelmente álgebra. Meu irmão tem falado muito dessa prova de álgebra, provavelmente porque ele é péssimo aluno e se não tirar uma nota no mínimo boa vai repetir. Ele é uma boa pessoa, às vezes até coloca os outros em primeiro lugar e deixa de fazer as coisas que ele quer. Acho que é por isso que ele vai mal na escola. Acaba ficando muito tempo ajudando em casa, cuidando dos outros, ouvindo os problemas e consolando os outros e esquece que ele tem uma vida. Esquece de fazer lição e esquece de estudar ou ele só tem dificuldade na escola mesmo.
Com a cabeça deitada sobre a mesa, estiquei o braço para ver minhas unhas. Estava com sono e meio enjoada, mas não queria dormir. Há tempos que eu estava com dor de cabeça, mas já havia me acostumado com a sensação e agora o incômodo da dor de cabeça era algo do meu dia a dia.
Eu sem querer dormi.
-Amélia, sua namorada veio atrás de você mais cedo- meu irmão cutucou a minha cabeça. Eu abri os olhos e vi ele a garota que estava estudando com me olhando.
- ex-namorada- eu falei meio sonolenta. Eu havia dormido por pouquíssimos minutos, mas estava me sentindo cansada e muito sonolenta. Como sempre, na verdade. Meu estômago doía e minha cabeça também, mas eram dores que eu estava acostumada. E, honestamente, eu gostava disso. Eu gostava quando meu corpo estava basicamente se deteriorando e pedindo por socorro.
-ex? Vocês terminaram?- meu irmão perguntou colocando a mão no meu ombro
-terminamos- eu não estava exatamente triste, mas também não estava feliz. Todo fim de relacionamento é complicado, além disso, eu e Alice estávamos juntas há 5 meses, o que é relativamente bastante tempo. A gente também terminou de um jeito meio estranho, mas acontece.
Alice era uma das muitas pessoas que eu fico obcecada e começo a observar, mas diferente das outras, minha obsessão por Alice durou mais tempo que o normal, então eu comecei a pensar na possibilidade de sentir atração romântica por ela. E, honestamente, eu ainda gosto dela. Eu sempre vou gostar dela. Então, sim...Estou triste.
Finais são tristes na verdade, não importa se é o final de um relacionamento que durou 5 meses. Finais são ruins. Qualquer final. Qualquer mudança.
- isso é um saco. Fim de relacionamento é um saco- A garota que estava estudando com o meu irmão e que eu nunca tinha visto na vida disse
Eu dei um sorrisinho para ela e me levantei. Minha vista ficou preta e eu fiquei tonta. Revirei os olhos e saí da biblioteca. Descer as escadas era definitivamente muito mais fácil do que subi-las
Eu e Alice terminamos ontem, mas ninguém sabia ainda. Ninguém além do meu irmão e a amiga dele, mas tirando eles, ninguém. Nem mesmo Jenna.
Eu fiquei pensando no que o meu irmão disse:
"Amélia, sua namorada veio atrás de você mais cedo"
Alice é complicada, eu admito, então talvez ela tenha ido falar mal de mim para meu irmão, ter ido me procurar para brigar ou algo do tipo e acabou encontrando meu irmão.

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