Capítulo Um

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O sol nasceu tímido naquele dia frio de junho, refletindo pequenos raios de luz por todo o gélido solo dos campos. Para quem residia em grandes lares em áreas privilegiadas, era apenas mais um dia comum, porém para a família de Francisco, o levantar dos primeiros resquícios de luz solar significava que um longo dia de trabalho os esperava. Com o corpo não muito aquecido com o cobertor improvisado, junção de retalhos que havia sido costurado a mão por sua mãe há alguns meses, Francisco foi acordado com o típico som ambiente de sua casa: rápidas conversas compartilhadas entre seus pais enquanto tentavam cessar o choro dos caçulas. Ao tomar coragem para se levantar, o menino de cabelos castanhos já estava conformado. Esse seria apenas mais um dia exaustivo, assim como os milhares de outros que ele já viveu e que ainda viriam ao longo dos anos.

Ao sair de seu quarto ele já conseguia sentir o gosto do café preto em sua garganta, culpa essa do forte aroma vindo da cozinha. Porém antes mesmo de conseguir chegar ao cômodo que exalava o cheiro, ele foi interrompido por seu pai. Seu Manoel, como era conhecido na região, era um homem bruto e que já havia perdido qualquer traço de simpatia décadas atrás, contudo era um homem de palavra e que tinha como propósito de vida tentar dar uma vida minimamente digna aos filhos para que eles não precisassem passar pelos mesmos desafios do pai.

Francisco, toma esse teu café correndo porque hoje tu vai ter que me ajudar na colheita, o milharal já tá pedindo socorro - Disse o pai, já trajado para as atividades rurais, - Já to indo pra lá agora, vê se não demora.

Tá bom papai, já encontro o senhor por lá.

O menino, já antecipando o fim do dia, se alimentou em poucos minutos, vestiu seu traje e rumou em direção ao milharal que se estendia ao longo do vasto campo da família, propriedade essa que foi herdada por seu pai, após a inesperada morte do avô de Francisco. Seu Manoel era filho único, uma verdadeira raridade entre os moradores da comunidade, fato esse que tornou o recebimento das terras uma consequência. Além do milho, as terras eram mães de broto de cana, batata e aipim. Esses alimentos, além de serem base da alimentação dos Silveira, eram responsáveis por grande parte da renda familiar. No fim das contas, Francisco sabia que o trabalho árduo era necessário. Mesmo cansado ele passava o dia debaixo do sol pelos irmãos e pelos pais.

Durante seu caminhar, Francisco contemplava cuidadosamente a vida que o cercava no matagal. Na sua direita, mais ao fundo das árvores, uma mãe pássaro procurava alguma fonte de alimento para seus filhotes que cantavam sem pausa. Um pouco mais a frente, seus olhar foi direcionado para uma goiabeira. O menino foi automaticamente transportado para os dias escaldantes de fevereiro, quando comia goiabas suculentas na sombra da árvore junto de seus irmãos. Hoje, porém, ela estava infrutífera. E continuaria assim até a volta do calor. Menos de um minuto depois, a próxima parada dos olhos de Francisco foi seu pai, que já havia preenchido quase um saco completo de milho no pouco tempo desde que havia chegado na plantação.

Olha só quem resolveu aparecer - Exclamou o pai mirando o filho, - Pega um saco aqui e já começa a catar o milho, a gente precisa de uns 12 sacos até o meio dia pra depois ir pras batatas.

Pra que tudo isso, pai?

É dia de venda, os homens passam aqui com o caminhão lá pelas quatro da tarde então hoje não vai nem ter descanso.

Mas que merda, eles não iam vir mais pro fim da semana?

Pois é, mas hoje cedo passaram aqui e pediram pra pegar tudo no fim do dia, bom que o canavial já tá todo cortado.

É, pelo menos isso - Disse Francisco com o temperamento mais forte do que o comum enquanto pegava o saco de juta e caminhava em direção aos pés de milho localizados alguns metros à frente. Ao começar a arrancar as primeiras espigas, a irritação do menino foi suavizando. Agora ele estava focado, para finalizar a tarefa o mais rápido possível, já pensando na calmaria que viria a encontrar no fim do dia.

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