Capítulo I

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Ele já havia passado por aquele caminho. Milhares de vezes na verdade, mas poucas lhe traziam tanta felicidade como este dia. Sim, o último dia de escola do décimo ano, sinal que marcava o início das tão esperadas férias de verão desde que o ano começou.

Mãe, cheguei! - diz o rapaz mal abre a porta de ferro que separa a rua da sua casa.

Já cá estás Eduardo? Vieste mais cedo? - responde a mãe enquanto limpa os móveis.

Não, apenas vim a correr. Durante três meses e meio vais ter de me aturar.

Ah, é verdade, hoje é o último dia de aulas. O que é que vais fazer nestas férias?

Ai que cusca, não sei. Mas quero sair bastante!

Não te esqueças de mim, filho.

Oh, não sejas assim também.

Eduardo dirige-se ao sofá para retirar a mochila e repousar um bocado. O sofá, que já não era novo, fazia sempre um chiar das molas quando alguém se sentava nele.

Precisamos mesmo de mudar de sofá. - diz para ele próprio.

Não era uma sala muito elaborada. Apenas um sofá, mesa de jantar para dois, televisão e dois armários com pratos, copos e outros utensílios de cozinha. O chão era de pinho, como no resto da casa, tirando a casa de banho, que era de azulejos brancos. No geral, era uma casa simples mas confortável, onde pairava sempre o cheiro a oceano, fruto do ambientador que a mãe usava em tudo que era lugar da casa. No entanto, desta vez era o cheiro a cabrito assado que mandava. Mal ele ia a tirar as suas sapatilhas, a sua mãe pede um favor a partir da cozinha.

Olha, não te descalçes já, preciso que vás à mercearia comprar sal.

E porquê eu?

Alguém tem de cozinhar, não achas? Ou se quiseres, ficas tu a tomar conta aqui da situação e vou lá eu num instante.

Deixa estar, eu vou, quanto é?

Acho que é um euro, vê se tens, senão tira da minha carteira. - diz ela apontando para a mesa de jantar onde a sua mala está pousada.

Acho que devo ter o suficiente, quanto é que é para trazer?

Um quilo, quilo e meio, o que tiver.

Despede-se da sua mãe com um beijo na bochecha e abre a porta da qual entrou há menos de 5 minutos.

Para ir à mercearia era preciso descer a rua e depois andar mais ou menos cem metros para a direita até lá chegar. Não era muito difícil de a encontrar já que depois dela não havia mais rua pavimentada, só uma pequena floresta que ia dar de encontro a uma clareira.

Eduardo não era muito fã de ir à mercearia, já que era colada à floresta. Mas isso não era o pior. Dali era possível ver a clareira e lá, um baloiço que nunca se parava de mexer, estivesse lá alguém ou não, estivesse lá vento ou não. O pobre rapaz que, coitado, já morria de medo com o sobrenatural, achava aquilo muito sinistro. 

Mas ainda assim, lá ia ele, com as moedas a mexerem-se nos bolsos das suas calças de ganga e a fazerem um barulho irritante para quem fosse ao seu lado, que felizmente não era ninguém.

Chegado à porta da mercearia, ele olha para o baloiço, e ali estava ele, nunca parado e com um leve chiar das correntes metálicas que o seguravam, visivelmente enferrujadas. Por alguma razão ele sentiu-se atraído a lá ir, mas rapidamente descartou a ideia e entrou na lojinha.

Boa tarde Dona Glória.

Olá meu menino, como estás? Bem? E a tua mãe também?

A senhora Glória era conhecida por todos, mas também conhecia tudo de toda a gente. Membros de família, todas as fofocas que se passavam, tudo. Mas no fundo, não passava de uma senhora de idade que tomava conta de uma loja de família.

Vai se andando, obrigado. E a senhora?

Sabes como é, desde que o meu Alberto morreu que isto tem andado mais difícil. Também não ajuda que o meu filho nunca me venha visitar. Mas é isso, tenho de me entreter com algo, então passo a maioria dos meus tempos livres no clube de bingo.

Eu lembro-me do senhor Alberto que às vezes estava aqui na loja a ajudá-la. Nunca cheguei a falar com ele apesar de tudo.

Agora também já vamos tarde… Mas enfim, deixando as amarguras de lado, o que procuras meu filho?

Era um quilo de sal, por favor.

Só?

Sim.

No momento em que a Dona Glória sai para as traseiras para ir buscar o sal, entra uma rapariga.

Boa tarde. - disse ela, com uma expressão solene.

Boa tarde. - respondeu ele educadamente

Jesus, ela é mesmo linda. E parece ter a minha idade e tudo… Mas acho que nunca a vi, e venho aqui desde que me consigo lembrar. Mas não importa, será que tento convers- mas o seu pensamento é interrompido pela volta da atendente.

Aqui está Eduardo, um euro por favor.

Enquanto o pagamento decorria, a jovem retira o seu telemóvel da mala que levava e procede a tirar uma foto da janela da mercearia, no fundo da qual é possível ver a clareira a ser banhada pelos raios de sol da tarde.

Volte sempre! - despedindo-se a Dona Glória do seu cliente com um sorriso que já tinha habituado toda a gente.

Mal ele sai da mercearia, ele deixa cair a embalagem de sal que por sorte não se rompeu. A sua cara havia sido tomada por uma expressão de incredulidade e o seu corpo mal conseguia aguentar-se de pé.

O baloiço havia parado.

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