Terminado o seu estado de pura paralisia, Eduardo finalmente recompõe-se e pega a embalagem com o sal que havia comprado.
Obrigada. - dizia a rapariga para a lojista.
Ela passa por ele na entrada como se ele nem existisse, na verdade, nem desvia o seu olhar para o rapaz.
Como se pela mais natural obra das coisas, a agora ainda mais misteriosa adolescente dirige-se para a clareira, serena e pacificamente, tal e qual alguém faria como se apenas estivesse a seguir uma rotina ou um ato voluntário perfeitamente normal.
Eduardo nunca havia visto ninguém lá ir, e ele já ali morava desde nascença.
Para ele, o mais aterrorizante e bizarro nem era o facto de alguém ir para a clareira, mas sim a sensação de que existia uma barreira entre as duas pessoas, como se a jovem fosse intocável e ininterrupta. Estava um vento relativamente forte naquela tarde, com as folhas a esvoaçarem pelo ar, vento esse que parecia intensificar-se a cada passo que ela dava.
E ali estavam eles, numa rua deserta, num mundo à parte. E nesse mundo só existia um vazio com uma clareira desenhada no fundo e um baloiço estático. Estavam também presentes duas silhuetas, uma imóvel e outra a andar em direção à única cor que havia naquela dimensão que nada refletia.
Mas esse momento de ilusão é cortado por uma folha que ao ser levada pelo vento, bate na cara de Eduardo. No momento em que ele recupera a visibilidade, ali estava ela. O que ele não imaginava nem nos seus sonhos, ou pesadelos, acabara de acontecer num piscar de olhos. A rapariga sentada no baloiço e a andar nele.
Eduardo, sem saber sequer como reagir, dá um passo à frente mas rapidamente pára ao ver um esboço de um leve sorriso naquela cara que nunca havia mostrado uma emoção até então.
Durante os segundos finais deste fenómeno, a figura misteriosa pronuncia-se pela última vez.
Maria. - era esse o nome dela.
Maria, espera! - mas ele pisca os olhos.
E Maria desaparece. O vento desaparece. O baloiço continua a mover-se sozinho, parecendo que havia sido sempre assim, mas não, o nosso personagem presenciou o oposto.
Havia algo realmente se passado? O que foi aquilo tudo? Quem era Maria e porque é que ela apareceu ali e naquele momento? Mas mais importante, o que é que ela era para o baloiço? Eduardo foi o caminho todo de volta para casa com estas perguntas na cabeça, sem conseguir uma resposta sequer ou uma hipótese plausível.
Provavelmente foi só uma alucinação do cansaço. Este ano foi longo e puxado. No entanto, pareceu tudo tão real. Eu sei que senti a folha a bater-me na cara e o vento a soprar no meu cabelo. Mas agora olho e está tudo parado, e nem folhas espalhadas há aqui na rua. Mas parando para pensar, como é que eu consegui imaginar uma pessoa tão específica e que nunca vi na minha vida? Bem como criar uma voz única para ela. Isto deve ter sido algo mais do que uma alucinação, mas o quê?
Enquanto olha uma última vez para o baloiço, ele pensa:
Porque é que eu hoje me senti atraído para ir para ali? Normalmente só me vem à cabeça repulsa, mas hoje foi curiosidade e atração. Não que eu queira, mas penso que se eu deixasse, o meu corpo deslocaria-se sozinho. Eu sabia que algo ia acontecer? A Maria também sabia sobre algo? Ai, se eu pensar demasiado nisto vou explodir.
A meio do caminho, o seu telemóvel começa a vibrar. É a sua mãe.
Olha, ainda demoras? Só te mandei ir buscar um quilo de sal.
Desculpa, é que… - ele pára à frente da sua escola e começa a olhar para ela - a Dona Glória começou a puxar conversa, e já sabes como ela é.
Hmm, enfim, apenas não demores ok?
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O Baloiço
Non-FictionQuando Eduardo conhece a misteriosa Maria, tudo muda na sua vida, até mesmo o seu significado. Sempre perto do ponto de ruptura, Eduardo vai lutar para se manter intacto, física e psicologicamente. Ao longo do caminho, vai fazendo todo o tipo de ami...