Velhos Conhecidos

Capítulo Único

  O vento soprava os longos cabelos os fazendo ricochetear contra o rosto de sua dona. A neve finalmente havia dado uma trégua temporária, mas não o suficiente para fazer desaparecer os vestígios da nevasca da noite anterior.

  Os galhos arranhavam seu rosto e braços conforme caminhava de volta a vila em que vivia. O bosque ao seu redor parecia escurecer a cada minuto que passava, lançando uma sensação fria e desconfortante que lhe fazia eriçar os pelos do braço.

  Tudo que ela mais queria naquele momento era deixar aquela impressão para trás, poder se atirar em sua cadeira frente a lareira sendo tomada pela sensação reconfortante trazida por uma xícara de chá enquanto sentia o cheiro das ervas que havia deixado penduradas para secar.

  Como ela gostaria de poder cavalgar o mais rápido possível para a segurança de sua casa, mas não era tão seguro naquele mar branco. Qualquer passo errado colocaria ela e Lady, a égua malhada que puxava pelas rédeas, em perigo.

  Havia uma sensação de algo a observando que ela preferiu afastar com um balançar de cabeça. O vento frio que soprava do norte fazia com que as árvores parecessem sussurrar, pregando peças. Internamente desejava ser apenas isso e não os lobos que havia ouvido falar há cerca de nove dias atrás quando estava em Gares.

  Pelo que diziam, os caçadores estavam tendo problema em mantê-los afastados dos animais e caminhar entre os vilarejos não era mais tão seguro assim.

  Ela considerou aquilo com um conselho como os que costumava ouvir sempre que ia comprava suprimentos sozinha. Conselhos que por mais fossem cheios de uma pretensão de indicar preocupação, escondia consigo a opinião de que deveria assumir as funções relegadas a si.

  Como era de costume, ela nada disse enquanto pensava naquilo que ainda precisava colocar em Lady antes de regressar.

  Se fosse levar em consideração, nenhum lugar era de fato seguro o suficiente com ou sem lobos, ainda mais sendo mulher.

  A jovem colocou a palma da mão sobre a cabeça da companheira ao perceber sua inquietude. Era uma forma que tinha para acalmá-la desde que a mesma era apenas um potro, mas naquele momento nada parecia adiantar.

  As folhas pesadas de geada não ajudavam seu passo a ser mais rápido e as pedras, raízes e covas escondidas por baixo de sua crosta, sendo uma armadilha para os descuidados e imprudentes, também não.

  Era inquietante e talvez por ser assim, a calmaria que desejava passar ao animal não fazia efeito. No fim, nem ela estava calma o suficiente.

  O crepúsculo afundando no horizonte, fazendo com que o céu se tingisse de tons roxos e dourados.

  Uma grande árvore mostrava sua imponência no topo da colina. Exatamente no lugar que sabia que a mesma estaria. Aquela presença familiar trouxe um pouco de alivio a seu coração.

  Ela estava quase em casa afinal.

  Quase permitiu-se sorrir quando ouviu os uivos.

  O coração parou no peito e por um segundo não se permitiu respirar. O medo lhe enchia o estômago tal como uma refeição.

  Estava tão perto e ao mesmo tempo tão longe!

  Buscou algo à sua volta que fosse diferente do normal, escutou o vento por entre as árvores agitando os ramos gentilmente e o pio de uma coruja a distância. Ela estava sozinha.

  Engolindo em seco, puxou Lady para que continuassem seu passo. Agora com a sensação do medo lhe soprando a nuca.

  Vez ou outra parava para ouvir. Em alguns momentos pensou ter ouvido uivos novamente, dessa vez em uma distância razoavelmente segura. Se perguntou se era apenas o medo lhe pregando peças ou se as histórias que ouviu estavam fazendo ter pesadelos acordada, tal quando era criança e sua mãe contava a ela histórias de lobisomens.