capitulo 02

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Acordei de um sono profundo, sem fim, e minhas mãos trêmulas mal conseguiam segurar a frágil linha que separava a realidade da inconsciência. A confusão reinava enquanto eu tentava desvendar por que me encontrava naquele quarto de UTI. Os ruídos das máquinas ecoavam em meus ouvidos, como um coro de sentinelas mecânicas vigiando minha fragilidade. A cada suspiro, a cada tentativa desesperada do meu pulmão em buscar o ar, sentia a adrenalina fluindo em minhas veias, um lembrete de que a vida ainda pulsava em mim, uma chama queimando na beira do abismo da morte iminente.

Finalmente, emergir do meu profundo sono, e ao fazê-lo, as palavras de meu pai, Nicholas Rose Clark, ecoaram suavemente no ar.

''Você finalmente acordou, Perséfone.'' Sentir o seu abraço desesperado envolvendo-me e suas lágrimas que desciam, salpicando meu pijama, foi como despertar para um mundo de emoções. No seu olhar, vi o alívio profundo e, na sua voz doce, que cantarolava meu nome, percebi o amor incondicional.

Naquele instante, a figura paterna que moldou minha existência revelou-se com clareza. Meu querido pai, que desempenhou dois papéis essenciais na minha criação, teve que sacrificar sua brilhante carreira na Paleontologia. Em vez disso, abraçou o desafio de abrir uma pequena biblioteca empoeirada no coração de um vilarejo rural isolado. Naquele local desconhecido, éramos apenas eu e ele, em uma jornada de aprendizado e descobertas que iria nos unir de maneira indelével.

Abracei-o com fervor, sentindo a gratidão flui, agradecendo a Deus por encontrar alívio em seus braços calorosos. No entanto, ele me afastou rapidamente, fixando seus olhos nos meus, aqueles olhos que ele descrevia como uma parte obscura e inexplicável de mim. Ninguém em nossa árvore genealógica possuía essa peculiaridade, esses olhos vermelhos que se destacavam de forma tão marcante em relação a todos ao nosso redor.

Quando chegamos pela primeira vez ao Vilarejo de Noctis, as pessoas ficaram alarmadas, considerando meus olhos de sangue uma espécie de aviso divino. E assim, a garota com olhos tão singulares tornou-se uma lenda na aldeia, uma figura misteriosa e inesquecível.

"Perséfone," ele começou, com um toque de alívio nas palavras, "Recebi uma ligação do hospital esta manhã informando que um jovem te trouxe inconsciente. Vim às pressas para te ver, minha querida filha." No entanto, a angústia ainda transparecia em seu olhar. "Tentei descobrir quem era aquele jovem para expressar minha gratidão, mas fui informado de que ele desapareceu assim que te deixou."

Eu lutava para racionalizar como havia desmaiado e quem era o misterioso rapaz que meu pai mencionava. As únicas lembranças que eu conseguia reunir eram do meu turno final na biblioteca e daquele sonho confuso que me assombrava. A confusão reinava, e eu me sentia impotente para responder a ele.

"Pai, sinceramente, não tenho certeza do que aconteceu. Minhas lembranças se resumem a terminar meu turno na biblioteca e, de repente, acordar aqui no hospital." Optei por omitir o detalhe do sonho extravagante que me atormentava, querendo, acima de tudo, voltar para casa e tentar compreender o que havia acontecido durante aquele período nebuloso.

Ele suspirou com alívio. "Perséfone, você passou o dia inteiro desacordada. Só agora, no final da tarde, recobrou a consciência. Não me faça passar por mais preocupações, minha querida. Seu velho não aguenta mais sobressaltos." Ele tentou trazer leveza à nossa situação, esboçando um sorriso que tentava dissipar a tensão.

Eu retribuí o sorriso, buscando descontrair o ambiente. "Realmente, você não aguenta nada, Senhor Nicholas." O momento, embora incerto, estava repleto de um vínculo único entre pai e filha, que resistia às tempestades da vida.

Após algumas longas horas de trâmites burocráticos, finalmente conseguimos deixar para trás a cena opressiva do hospital e voltar à nossa aconchegante casa, um refúgio cercado por um jardim florido e uma bela varanda. A casa tinha uma aura de antiguidade, com suas sólidas paredes de pedra e um telhado de um vermelho vívido que chamava a atenção.

Nossa porta de entrada, majestosa em sua construção de madeira, dava as boas-vindas a todos que ali adentravam. À frente da casa, uma pequena mesa com dois assentos nos convidava a passar nossas tardes, um local que eu adorava. Ali, eu lia ou conversava com os idosos e jovens que frequentavam a nossa biblioteca, era um espaço repleto de memórias e significado.

Ao adentrar a casa, não hesitei em ir direto para o meu quarto e me atirar na cama. Estava exausta, em busca desesperada de um momento de descanso. Já passavam das 22 horas, e eu não havia tido um instante de pausa desde o acontecimento. Decidi que um banho era necessário, uma oportunidade de refletir sobre o que havia ocorrido comigo.

Apressei-me em organizar os produtos que necessitaria para minha rotina matinal e adentrei o banheiro. Minutos mais tarde, envolta na água quente, senti um profundo relaxamento tomar conta de mim. Quando terminei, vesti um roupão e sentei-me na extremidade da cama, contemplando meu reflexo no grande espelho diante de mim.

A dúvida martelava na minha mente enquanto eu contemplava meu reflexo no espelho. "Por que aquela garota do meu estranho sonho era tão notavelmente parecida comigo?" Eu ansiava por respostas que teimavam em se esquivar de mim, e minha concentração era total.

Contudo, meu pensamento foi abruptamente interrompido por um som súbito, como um pulo que ecoou na varanda do meu quarto. Um arrepio de alarme percorreu minha espinha, e meu corpo se preparou instantaneamente para o confronto. Com uma mistura de determinação e apreensão, alcancei meu abajur, preparando-me fisicamente e psicologicamente para o momento em que abriria a porta e confrontaria o intruso que ousara invadir a tranquilidade do meu espaço.

Respirei fundo, contando até três para reunir coragem antes de girar a maçaneta da porta. O que se revelou do lado de fora me pegou completamente de surpresa: um jovem de estatura colossal, com uma imponência que rivalizava com a de uma geladeira Eletrolux, era a primeira coisa que notei. Seus longos cabelos negros emolduravam um rosto com traços bem definidos, mas eram seus olhos dourados que capturaram minha atenção, faiscando com uma intensidade quase sobrenatural.

Sua pele pálida contrastava com suas roupas, que eram extraordinariamente elegantes.

"Perséfone, querida," ele falou, e um sorriso revelou suas presas afiadas. Com apenas dois passos, ele já estava diante de mim, e suas palavras gelaram minha espinha. "Estou aqui para te levar ao submundo, conforme o nosso acordo." Sua presença e suas palavras me fizeram estremecer, enquanto eu tentava assimilar a realidade extraordinária da situação.

"Como você sabe o meu nome? Quem é você?" Minha voz tremia de ansiedade enquanto conseguia finalmente lançar o abajur em sua direção. No entanto, num piscar de olhos, ele segurou o objeto com destreza, virando seu rosto em reprovação diante do meu ato impulsivo.

"Seu pai não te ensinou boas maneiras sobre como tratar um convidado?" Ele deixou o abajur com cuidado na escrivaninha ao lado da minha cama. "E não finja ignorância, estou aqui para reivindicar o que você me prometeu. Você não está ciente do acordo feito pela Deusa Perséfone com Hades?"

"Isso já passou dos limites! Você não pode estar falando sério!" Exclamei desesperada, enquanto me perguntava por que ele insistia em trazer deuses e mitologia grega para a conversa naquele estado tão estranho. Era como se estivéssemos prestes a mergulhar em um conto mítico.


Continua..






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⏰ Última atualização: Oct 24, 2023 ⏰

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