Escritores Boêmios

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Existe um grupo de escritores pelo meio de Porto Alegre. Moram espalhados pelas esquinas, pelas ruas sem saída, pelos bairros conhecidos e nem tão conhecidos assim. Moram em casas e apartamentos com gatos ou com plantas, pois o estereótipo do lobo solitário para a literatura não pode ser em vão. Um grupo com mais mulheres do que homens, mas isso pode ser só consequência de as universidades estarem mais cheias de mulheres do que de homens ultimamente. É engraçado, esse grupo. São todos jovens, mas alguns estão mais perto da juventude adolescente que a juventude adulta dos boletos e pais idosos para cuidar. Metade não bebe cerveja, a outra metade bebe qualquer álcool, enquanto a outra metade talvez só aceite um vinho ou um fernet com coca caso você se proponha a lhes oferecer algo e, ainda, há a outra metade que não bebe nada, porém gosta da companhia dos outros bêbados sonhadores.

O grupo de escritores pelo meio de Porto Alegre ficou conhecido como "Escritores Boêmios", uma vez que a mente brilhante de algum deles achou interessante montar um espaço no whatsapp, no meio da pandemia de 2021, para que aquele amontoado de estranhos deixasse de ser entranho. Como o grupo ainda vive, com a perda de apenas um boêmio para a boêmia, os escritores elegeram um bar para fazer seus encontros quinzenais de atualizações interpessoais físicas. Por isso o álcool era importante: tornar introvertidos, sonhadores de imaterialidade, em extrovertidos capazes de escrever histórias coletivas. E é num desses encontros, no Russo, bar universitário com caipirinha duvidosa e excelentes pizzas, que nossa pequena aventura começa.

A mesa de plástico, com cantos arredondados para receber latas de cerveja, é um depósito de pequenos diários de bolso; as cadeiras amarelas estão preenchidas por mochilas e por pessoas de alturas tão distintas que uma nova unidade de medida poderia ser elaborada. Valentina está de pé, segurando um livro de poesias de Moema Vilela e interpreta alguns versos da autora nacional. Ela gesticula, levantando o copo de cerveja e pede atenção aos espectadores toda vez que o riso ultrapassa a sua voz.

— Oh, gente! Presta atenção em mim, caralho!

Os escritores riam da irritação da mulher de franja e saia vermelha. Leonardo coloca a mão no ombro de Valentina, apertando-o.

— Acho que já deu, Valenzinha...

— Mas... Mas... Esse é o meu momento!

Marina puxa o celular e começa a filmar o diálogo:

— De quem é o momento, Valen?

— Meu! — responde rapidamente.

— E o que tu ta fazendo, Valen?

Valentina toma um gole da cerveja e retruca ríspida:

— Rasgando o livro, porra. Não tá vendo que eu tô lendo? Apreciando a grande obra de Moeminha.

Leonardo gargalha, enquanto enche copo com mais cerveja e puxa o seu diário. Os outros boêmios conversam paralelamente: Fernanda comenta como o ensaio sobre maternidade deixou ela mais reflexiva do que com respostas, Julia mostra para Kelvin e Alícia os seus mais novos brincos de biscuit e Carol conversa com o outro Leonardo – aqui conhecido como Casa – sobre faculdade e a difícil decisão de pensar sobre um futuro, quando não se calcula o futuro para além dos 30.

Leonardo se coloca do lado de Valentina e sussurra para ela algo que ninguém consegue entender. Ela concorda e vai se sentar, apertando os dedos.

— Galerinha, quero ler pra vocês um sonho muito doido que eu tive com todos vocês...

Franco chega segurando uma pizza de abobrinha e queijo. Ele para e se escora no batente da porta, esperando ver o que o Leo tem a dizer. O grupo aos poucos vai fazendo silêncio.

Como a boemia parou numa casa de campoOnde histórias criam vida. Descubra agora