O Convite

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 Toco a campainha apressado e nervoso com o que pode acontecer. Depois daquela mensagem que recebi, nada no meu dia ocorreu como deveria. Tudo o que eu fazia me remetia à pequena frase que surgiu no meu celular de manhã cedo:

"Temos que conversar. Vem aqui em casa".

Nem um "Oi" ou "Tudo bem?". Apenas indo direto ao assunto, sem mais delongas. Por mais que eu quisesse me acalmar inventando situações irreais que não iriam acontecer, no fundo eu sabia do que se tratava aquele "convite". Eu sabia e tentava a todo custo postergar a chegada desse dia, planejando as melhores viagens, os melhores filmes para assistirmos juntos, os melhores lugares para visitarmos em um dia chuvoso. Tudo isso porque eu não tinha coragem o suficiente para admitir que as coisas entre nós não estavam indo tão bem quanto antes. Coragem foi o que sempre me faltou, não somente nessa situação como em várias outras durante nosso relacionamento, e talvez tenha sido isso o que motivou a tomada desta decisão.

Mas que idiota! Nem entrei e já estou pensando nas mil e uma possibilidades que podem ter culminado neste convite.

A porta se abre lentamente, e do outro lado já consigo vê-lo com a velha camiseta azul-marinho que dei de presente há dois anos atrás (puxa vida, já temos dois anos juntos! Para mim isso equivale a cinco anos de relacionamento, tendo em vista minha péssima gestão com relacionamentos anteriores). Ele apenas me cumprimenta com um balanço de cabeça e me pede para entrar. Como um cãozinho que acabou de fugir de casa e agora retorna para seus donos com a maior cara de pau, entro com a cabeça levemente baixa, evitando olhar nos olhos dele. Sempre tive dificuldade com contato visual (isso talvez explique meu péssimo timing pra flerte), mas sei que o momento agora exige seriedade e maturidade de nós dois.

Imagino que a conversa seja na sala, então puxo uma cadeira para me sentar, mas logo sou advertido de que iremos subir para a laje. A velha laje inacabada. Se bem me lembro, desde que começamos a namorar, essa laje estava sendo construída. Todos os dias era uma história diferente a respeito dos planos para ela, o que iria ser construído lá em cima e como seria. Mas até hoje permanece intocada, para não dizer abandonada, como um brinquedo que uma criança acaba enjoando de tanto brincar. Que coincidência, não?

O bom de ficar lá em cima é que a esta hora dava pra ver o sol se pôr perfeitamente, sem os enormes prédios dificultando a visão. E também o silêncio que espalhava-se pelo ambiente, sem o barulho insuportável dos carros e das buzinas do trânsito maluco da cidade. Por outro lado, o silêncio infindável me deixava cada vez mais nervoso e aflito. Eu não sabia o que viria pela frente... bom, talvez soubesse, mas queria a todo custo acreditar que não era isso o que eu estava pensando. Por um momento gostaria que a buzina de um carro tocasse ou um pássaro barulhento sobrevoasse a gente, atrapalhando aquele momento, só para eu poder ir embora e fingir que nada daquilo aconteceu. A luz do sol também não favorecia a situação. Um laranja intenso banhava o céu, repleto de nuvens que aos poucos desapareciam com o soprar do vento. Queria que estivesse chovendo. Não era bom estar em cima daquela laje onde vivemos momentos tão especiais para dar lugar a dor e sofrimento. Por que a tarde tinha que estar tão bonita para um acontecimento tão horrível?

O silêncio permanece, como se estivesse esperando uma resposta de um de nós. E não sou eu quem começa a falar...

— Precisamos terminar.

É tudo o que ouço. Se ele falou algo mais, não prestei atenção porque meus ouvidos deram prioridade para essas duas palavras. Duas palavras que reviram minha cabeça e meu estômago, causando náuseas e enjoo. No fundo eu sabia que era esse o motivo do convite, mas vivenciá-lo ao vivo e a cores me deixou totalmente despreparado. Ele não disse "Acho que precisamos terminar" porque aí eu ainda teria chances de recomeçar tudo devido à indecisão em sua fala (o que sempre foi característica dele), mas não... ele disse com toda certeza "Precisamos", como uma necessidade, e não apenas "Preciso", evidenciando que esta necessidade não parte somente dele. Analisar cada palavra só piora a situação, aumenta minha angústia e enche meus olhos de lágrimas.

Após pronunciar as palavras devastadoras, é o silêncio agora quem fala por nós. Eu não o respondo verbalmente, apenas aceno com a cabeça em tom afirmativo, aceitando por fim a decisão.

E só agora ouço, bem distante de nós, em alguma casa vizinha, uma música que me parece familiar. Não consigo adivinhar exatamente todos os versos cantados, mas pelo menos algumas frases eu entendo.

"Quando não houver caminho

Mesmo sem amor, sem direção

A sós ninguém está sozinho"

Justamente quando eu precisava da manifestação de algum ruído antes da frase devastadora, o universo falha comigo. E agora me diz isso. Bela tentativa, mas não vai funcionar porque tudo o que eu queria era uma mensagem positiva sobre meu relacionamento, um sinal de que minhas paranoias não passassem apenas de puras invenções e no final tudo se resolveria. Subiríamos na laje e observaríamos o sol se pôr, como sempre fizemos todo fim de semana.

"Enquanto houver sol

Enquanto houver sol

Ainda haverá"

E um estalo na minha mente abre meu olhos para a mensagem passada através da canção, e agora reconheço cada verso porque esta música foi a primeira que escutei quando tivemos nosso primeiro encontro, em um barzinho aleatório com bebidas e petiscos duvidosos, mas que naquele instante não eram tão importantes quanto a companhia ao meu lado.

"Enquanto houver sol

Enquanto houver sol

Ainda haverá"...

As portas dos meus olhos são arrombadas e dão passagem às lágrimas descontroladas. Eu não estava chorando somente por conta do término, mas também por conta da música e do que ela dizia. Enquanto houvesse sol, ainda havia esperança. Entretanto, a grande bola de fogo alaranjada aos poucos sumia na vastidão do horizonte, levando consigo esperança para outras pessoas que talvez precisassem mais do que eu.

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⏰ Última atualização: Oct 24, 2023 ⏰

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