Prólogo

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Sempre dizem que a perda faz parte da vida, que é o ciclo natural das coisas. E bem, eu entendo. Eu sei que nascemos para viver e que, como matéria orgânica, uma hora temos que morrer. Sempre fui demasiado boa em aceitar perdas repentinas na vida. Aceitei a perda do meu peixe, aos dois anos de idade. Aceitei a perda da minha última avó, aos oito anos. Aceitei quando Mumu, meu cachorro adorado, morreu aos meus (e seus) 11 anos. Aceitei que toda minha família tenha falecido ano após ano, deixando perguntas até então nunca respondidas. Aceito todas as perdas naturais, onde o corpo está velho demais para continuar essa longa jornada, mas não há como aceitar a perda não natural, a vida roubada por terceiros. E foi assim que  roubaram a vida de meus pais.

Estávamos preparando as malas para mais uma mudança de cidade, quando aqueles homens apareceram em nosso pequeno apartamento no 2° andar. Meus pais viviam fugindo de algo, trocávamos mais de endereço do que eu possa contar nos dedos. Sempre tivemos "alertas de segurança", fui ensinada a ter uma mochila pronta para "eventuais" acontecimentos, e deveria me esconder se escutasse qualquer barulho estranho. Essa foi a primeira vez que realmente precisei levar essas instruções em consideração. Infelizmente.

Escutamos passos fortes no corredor do andar, e o barulho se aproximava. Cinco, talvez dez pessoas. Meus pais pareciam desesperados. Eu nunca esquecerei o olhar de adeus que recebi na hora em que o olhar deles encontrou meu choro. Meus pais me levaram para o esconderijo secreto, um baú escondido embaixo da cama de casal, com um pequeno furo lateral para a passagem do ar. Me pediram silêncio e beijaram minhas mãos. Via as lágrimas saindo dos seus olhos e não conseguia falar nada, minha voz se escondeu antes mesmo daqueles homens entrarem em nossa casa, destruindo tudo o que restava da vida que eu conhecia.
Cinco tiros, gritos e muita violência. Eles perguntavam onde estava a encomenda aos meus pais, e nada era dito. Eu não ouvia uma única palavra sair de suas gargantas. Meu pai foi o primeiro a cair no chão, um tiro na coxa, dois no peito. Espiava desesperada pelo buraco lateral do baú. Todo aquele sangue me preenchia a alma, lavava a casa e respirava o meu ar. Não demorou até ouvir outros dois tiros. Minha mãe caiu no chão com os olhos cravados no buraco, uma última lágrima caiu de seus olhos e eu me vi sozinha em desespero.

Fiquei escondida, chorando quase sem forças enquanto aqueles que roubaram a vida de meus pais quebravam toda a casa e procuravam algo em cada cantinho.

Eu sabia o que deveria fazer, eu sempre soube.

Teus olhos, Emma. (Romance lésbico) /repostandoOnde histórias criam vida. Descubra agora