A enfermeira

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O relógio da parede marcava 6:00 em ponto quando entrei no setor e dei de cara com a enfermeira da noite com uma expressão de poucos amigos e olheiras enormes.

- Está atrasada.

Olho para o relógio novamente, são 6:01. Não faço a menor ideia do que aconteceu no plantão noturno, mas essa vaca não vai me dizer que estou atrasada por causa de um mísero minuto.

- Não, não estou.

Ela me olha com uma cara feia. Não que sua expressão normal seja bonita.

- Pode começar - digo, segurando minha prancheta para anotar a passagem de plantão.

Ela fala rapidamente sobre o estado de cada paciente internado e no meio do caminho descubro que um deles vomitou dela e deixou uma mancha nojenta no lado esquerdo da calça azul. Uma satisfação instantânea me toma neste momento.

- Bom, eu já vou. Se precisar do Dr. Stew, ele está no descanso. Tchauzinho.

Doutor Vincent Stew, 43 anos, gastroenterologista e "lindo de morrer" segundo 2/3 do hospital inteiro, incluindo homens e mulheres. Na minha humilde opinião, prefiro que ele "descanse" o plantão inteiro para não ter que lidar com seu ego enorme.

Resolvo checar minha equipe antes de passar a visita nos quartos. Geralmente não tenho problemas com os técnicos de enfermagem, e hoje não seria diferente. Louis, Margaret, Susie, Dan e Josie são minha equipe preferida e é com eles que começo meu plantão.

Passo por todos os quartos, avaliando os pacientes. No quarto 3B encontro meu herói do dia, um senhor adorável de 80 anos chamado Rodolf, que não aceitou muito bem o jantar e despejou ele todo na minha querida colega da noite. Acho que ela nunca mais vai esquecer de checar os antieméticos da prescrição.

Depois de visitar todos os pacientes, faço a evolução de cada um. No decorrer do dia, não temos nenhuma intercorrência. O dia não podia estar mais tranquilo, até resolvo responder as mensagens que ignorei da minha mãe, mas é um erro. Primeiro, porque o assunto me deixa irritada, e segundo, porque neste exato momento entra pela porta um garoto de uns 14 anos gritando de dor e apertando a cabeça com as duas mãos, sendo empurrado numa cadeira de rodas por um homem por volta dos 40 anos.

Corro de encontro a ele e pergunto o que está havendo com o garoto.

- Você é médica? - pergunta o homem.

- Sou a enfermeira do setor, senhor, o que está havendo com ele?

- Ele precisa de um médico - insistiu o homem.

Respirei profundamente, olhando o garoto em agonia, antes de responder a quem quer que fosse aquele cara.

- Preciso saber o que houve com ele para chamar um médico.

- Minha cabeça! Minha cabeça dói! - choramingou o garoto.

Acenei para Louis vir até nós e ele me ajudou a colocar o garoto numa maca vazia. Avaliei as pupilas do garoto com uma lanterna, mas estavam normais. Louis estava monitorando os sinais vitais do garoto quando liguei para o neurologista de plantão.

- Ele reclama dessa cabeça faz uns meses, sabe? - ouvi o homem falando para Louis.

- Preciso do nome completo do senhor e dele, por favor - pedi educadamente ao homem.

Ele me olhou com relutância, como se achasse que quero roubar seus dados pessoais ou coisa do tipo.

- Ethan Joe Mickelson, e ele é meu filho, Garrett William Mickelson.

Procurei depressa o nome do garoto no histórico de internações e para minha surpresa não havia nada. O garoto estava com dor há meses e não foi trazido ao hospital uma única vez. Aposto que a desculpa do pai do ano vai ser que pensou que o garoto só estivesse inventando uma dor para faltar o colégio.

Quando o Dr. Newton chega ao setor, passo imediatamente o caso do garoto para ele, que avalia e começa a fazer perguntas ao pai.

- Uma dor como essa há meses pode ser considerada crônica. Por que o senhor demorou tanto para trazer seu filho ao hospital?

Sabe, sempre gostei do Dr. Newton.

- Bom...eu achei que ele só estivesse arrumando uma desculpa para não ir para escola. Sabe como são os adolescentes.

Bingo.

O pai ficou com um sorriso amarelo enquanto o Dr. Newton explicava a gravidade de algo assim, já que o garoto poderia ter um aneurisma, um AVC ou até um tumor na pior das hipóteses. Ele solicitou uma tomografia de crânio e prescreveu alguns medicamentos para dor enquanto não temos um diagnóstico.

Quando os analgésicos fizeram efeito, o garoto se acalmou, e seu pai estava pendurado no telefone do lado de fora.

- Como está se sentindo, Garrett? - perguntei ao garoto, gentilmente.

Ele me encarou um pouco sonolento.

- Estou melhor.

- Fico feliz em ouvir isso - disse, sorrindo para ele.

Garrett retribuiu com um sorriso fraco e sonolento. Os outros dois pacientes do quarto estavam dormindo e talvez ele também devesse fazer o mesmo. Só Deus sabe o que esse garoto passou com uma dor dessas.

Assim que ajustei a velocidade do soro dele, seu pai veio até mim, ainda com o maldito telefone na mão.

- Ei, ei. O médico já passou, sabe? - disse o Sr. Mickelson.

Ergui as sobrancelhas para aquele estorvo ambulante esperando que ele explicasse com todas letras o que estava querendo dizer.

- Não precisamos de você aqui - completou - Se bem que...

O babaca olhou pra mim de cima a baixo com um olhar sugestivo nojento que me fez querer chutar o saco dele.

- Vocês ficam bem nesses uniformes - disse com uma piscadela - Sempre tive a fantasia da enfermeira, sabe.

Parecia que o fogo do inferno tinha me consumido ali mesmo tamanha minha raiva naquele momento. Sem pensar duas vezes, agarrei o suporte de soro com uma das mãos e mirei no idiota que agora estava de costas para mim.

- Filho da...

ShadowheartOnde histórias criam vida. Descubra agora