Capítulo único

624 50 51
                                    


Sentados sobre o leito único, ambos de mãos unidas entre as próprias pernas esticadas, conversando sem grandes animosidades.

Ramiro, do lado direito da cama e olhando para o nada, contava seu mais recente sonho para Kelvin que, de pernas cruzadas, balançava os pés distraído, embalado pelo som da voz baixa e rouca do homem o qual compartilhava o pequeno espaço, sentindo o calor do mesmo aquecer a lateral do seu corpo e o fazendo viajar nas vontades nunca verbalizadas de forma direta.

- E aí, foi esse o sonho qui eu tive... - voltou os olhos para o loiro, que divagava não muito interessado no que vinha contando, apenas resmungando leves "hms" ao longo de sua narrativa. - Recebi uma homenage lá, maió produtô rural de Nova Primavera, Ramiro Neves. Aaaah! - Balbuciava como se fosse o som dos gritos de uma plateia em coro.

- Muito legal... - analisou as unhas de forma desinteressada - mas e eu? - Voltou-se subitamente animado, deixando um tapa brincalhão no braço forte ao seu lado, buscando os castanhos, já um pouco acanhados. - Aparecia, não? - Sorriu matreiro.

- Ocê? - Um sorriso de canto apareceu em meio aos fios da barba farta.

- É. - Mordeu o lábio inferior, ainda sorrindo.

- Aparecia ... - soprou um riso.

- E aí? E aí? E aí? - Não conseguia segurar a ansiedade, sabia que povoava a mente daquele homem e saber cada nova nuance que ele lhe trazia, causava em si um prazer intrínseco, era como sentir uma leve brisa de asas que estão se abrindo pela primeira vez.

- Sabe quem era? - Olhou de canto, sentindo o rosto começar a esquentar.

- Quem? - Nem mesmo esperou o outro terminar a pergunta.

- Minha esposa. - Fugiu dos castanhos claros risonhos, que sempre liam sua alma nesses momentos.

Kelvin gargalhou, não de forma maldosa, pois já imaginava o que Ramiro ia lhe dizer.

- Eu já imaginava, já. - Continuava rindo, pois o peão lhe acompanhava, embora acanhado. - Isso aí não é novidade, já imaginei. - Constatou por fim, se ajeitando na pequena cama do quartinho rústico.

- Seu bobo... - Ramiro ronronou um riso junto do outro. - Mai, Kevinho. - Chamou curioso.

- Hum? - Respondeu ainda um pouco perdido, pois sentiu seu estômago afundar em espiral com a frase carinhosa que o outro lhe "xingara".

- Qué qui é que é que acha que eu sonho assim essas coisa tudo? - O vinco entre as sobrancelhas delatava sua dúvida sincera.

- Num sei, Rams, num sei. - Kelvin agora pensava em como expor seus pensamentos. Tinha várias teorias, todas perigosas demais para expor agora para seu agroboy. - O que eu acho... - voltou a se ajeitar na cama, erguendo o corpo um pouco mais sentado, e passou a discorrer pelo caminho que já tinha começado a traçar na mente do outro. - é que você devia voltar para a terapia.

- Ah não. - Empertigou-se como uma criança birrenta.

- Falar isso com a psicóloga seria bom. - Sugeriu de forma suave, tentando entrar na mente do outro uma vez mais.

- Não... - Abaixou o olhar para as próprias mãos entrelaçadas. - Negócio de pesecológica, Kevinho, - era desconfortável para ele falar daquilo, pois ia muito além do que se permitia pensar - esse negócio de pesecológica... mai... ela fica sabendo, assim, das minha intimidade e daí eu não gosto não. - Defendeu-se de um ataque inexistente.

Eu sem você não da (kelmiro)Onde histórias criam vida. Descubra agora