(Terça-feira)
6 horas da manhã.
Tay levantou da cama, vestiu o seu sapato e esperou o horário na sacada. Ninguém passando na rua a essa altura, apenas os seus pensamentos, indo e vindo, todos esperando o garoto sair do portão para domar o seu cérebro e, assim, confundir os seus pensamentos a caminho da escola.
A caminhada era dura. Ele precisava subir uma rua íngrime e atravessar uma outra cheia de carros que não paravam de passar.
- Tay! - disse uma voz, no meio do destino.
- Ah - reconheceu o colega. Era Antunes. - Oi.
- E aí, cara. Tudo bem?
- Tudo bem. Só um pouco cansado.
- Eu sei como é. A rota que seguimos é dura.
Tay não entendeu. Ficou entre as coisas que aconteciam na escola e aquela rua. Mas, analisando Antunes, ele concluíu que falava da rua. Um tipo daquele jamais poderia entendê-lo.
- É sério mesmo: você está bem? - enfatizou a pergunta.
- Sim...
Antunes não saberia dizer se conversava com Jack ou Tay; porque, a partir daquele acontecimento de ontem, Jack possuíra seu corpo e tomava-lhe a paz. Havia nele um pouco dos efeitos de Jack; uma raiva que cresceria, e seria toda descarregada nos que mais o amam.
Mas ainda era cedo para qualquer suposição. Antunes, por um momento, ponderou: não seria só mais uma coincidência? Talvez Jack esqueciria-o a partir de seu hoje...
Não fazia ideia. Não conhecia Jack.
...
Riven já estava em seu lugar quando Antunes entrou ao lado de Tay. Ambos pegaram os mesmos assentos. A rotina já estava instalada, e todo mundo já sabia qual lugar era de quem. A não ser Zank, um garoto novo que faltara.
Zank se sentou na frente de Antunes, calado e chamejante. Portava um brinco na orelha e usava um anel preto no dedo. Tinha essa maquiagem leve ao redor de seus olhos que pareciam um portal para o espaço sideral sem vela, sem Sol, sem luz. O seu cabelo também era preto e estranhamente pontudo. Antunes sobressaltara-se por um ínfimo de tempo; depois, desceu-lhe pela garganta a aceitação.
Riven o viu e não sentiu nada. Houve cochichos em algum lugar da sala, e ele suspirava por isso; veio com uma blusa de frio completamente roxa, e não estava frio, nem sentia frio. Ele parecia ter jeito para passar vergonha, mas era o cara perfeito para isso, pois já não o feria as fofocas e as sutis agressões físicas.
Tay estava um pouco mais aliviado; os olhares haviam se voltado para o aluno novo. Ele não teve empatia nem se ressentiu por preferir outros em tal situação.
- Tem caneta? - perguntou Zank a Antunes.
- Tenho.
Passou-se um minuto de silêncio.
- E então...? - Estendeu as mãos.
Antunes se sentiu intimidado. Tachou-o de folgado.
- Primeiro dia de aula... Não trouxe qualquer coisa?
- Tenho uma vermelha. Mas você sabe como os professores são.
- Alguém já se casou - disse Jack, troçando do anel de Zank, ao chegar no umbral da sala. Todos riram brevemente.
- Aqui - entregou a caneta, agora acalentado, sentindo-se vingado por Jack.
Mas Zank deixou deslizar de sua mão. Prestava atenção nos passos de Jack - indo para a sua mesa -, como se este tivesse ofendido sua mãe.
- Ei, cara!
- Oi - Zank voltara a si.
- A caneta. No chão!
- Valeu.
Naquele momento do show de risadas, Tay rira. Sentiu que, dessa forma, participaria de algo, estaria incluído em alguma coisa que nem ele sabia o que era, mas pensou haver um crachá; uma regalia, uma entrada vip, bancos privilegiados...
- Que bosta - resmungou Riven.
- O que foi? - indagou Antunes.
- Ele, você e Tay... Todos já foram vítimas. Na mesma fileira. Por que não me atacam logo? Eu sou a sobremesa?
- Eles me atacaram? Sério?
- Sim. Seu nome e o trocadilho, lá...
- Caramba! - disse em tom sarcástico. - Como eu pude esquecer-me de algo que me fez chorar a noite toda? Faça-me o favor, cara!
- Bom, são os fatos. E esse carinha aí, parece com você.
Antunes o fitou e houve uma tácita concordância.
- Não parece.
- Eu tenho até um trocadilho para isso: Zank e Code. Gêmeos a bordo.
- Nossa. Não sabia que era de fazer bullying.
- Chega de sarcasmos. Tay, não parece?
- O quê?
- Os dois, Tay. Eles não se parecem? Eu os chamei de: Zank e Code. Gêmeos a bordo.
- Eles se parecem... - respondeu, ignorando a piada.
- Ou então eles estão noivos. Antunes, cadê o seu anel?
- Sim, estamos noivos. E sua mãe sentou gostoso na minha despedida de solteiro.
- Mãe é sagrada, hein - disse Riven, mesmo que não desse a mínima.
- Sagrada só Maria.
- Agora você é católico?
- Foi só uma... Esquece.
O professor de História já havia assumido o controle da sala, porém parecia que não sabia dirigir.
- Segunda guerra mundial... - desdenhou Riven. - A que me serve isso?
- Notas - disse Antunes.
- Notas? Que notas? As notas das bombas nos territórios, das balas nos corpos? Nota dó então.
- Sabe, talvez você realmente seja o piadista da sala, Riven. Você só precisa fazer uma dessas piadinhas em um tom mais audível. Vai bombar, e até sair daqui, a fileira dos "alvos".
- "Fileira dos alvos"? - entrou na conversa Tay, mesmo que estivesse atento à lousa.
- Sim. Riven disse que todos nós somos os merdas da sala, e ele é a sobremesa.
- "Alvos"? - também veio Zank.
- Sim... - disse timidamente Antunes.
- Eu me alistei no exército ou o quê? - brincou. - Sou voluntariamente um alvo dessas crianças?
- Você tem a mesma idade que a gente - disse Riven.
Zank correu o olhar por aqueles três. Era um cara modesto, mas podia ter a língua revolucionária se achasse a oportunidade.
- Eu não vim aqui para satisfazer o prazer de nenhum idiota que se acha o rei da escola. Olhe sua caneta aí.
...
- Antunes - disse o professor, na chamada.
- Aqui.
- Looney Tunes.
E desta forma bateu o sinal.