A Sombra na Parede

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Ela está lá, ela sempre está lá. Quando fecho os olhos, ela me consome, aumenta de tamanho, como se estivesse em todos os lugares. Sua forma me intriga e, de certa maneira, me atrai. Eu não consigo, tento, mas não consigo. É praticamente impossível não olhar pra ela. Mesmo quando não estou lá, parece que me chama. Faz com que a ideia de que não tenho escolha surja nitidamente em meus pensamentos, lembrando-me de que, inevitavelmente, terei que lidar com ela novamente a qualquer momento.

Ela está lá agora. Ela está olhando para mim. Meus olhos estão fechados, mas eu sei, eu sei que ela está olhando para mim. Quanto mais penso nela, mais ela se aproxima. O incessante e terrível som que o vento produz quando passa pelas pequenas frestas da minha janela, ao mesmo tempo em que a afasta, aumenta seu tamanho de maneira estranha. Não era para isto acontecer.

"Eu vou abrir os olhos", penso. Eu quero abrir os olhos? Eu vou abrir os olhos. Por que eu vou abrir os olhos? Eu vou abrir os olhos. Eu preciso abrir os olhos?

Ela me chama, não para de me chamar. Chama pelo meu nome. Ela fala demais. Me diz muita coisa: o presente, o passado, o futuro. Me diz quem ela é, ou, ao menos, quem eu acredito que ela seja. Sempre muito afirmativa, objetiva, mas nem sempre tão clara. Tudo isso sem dizer nenhuma palavra.

"Por que eu deveria abrir os olhos?", é o que me pergunto todo dia. A resposta nem sempre é a mesma. Qual será a de hoje? "Quero saber quem você é", "Quero saber o que você tem a me dizer", "Quero saber se você vai me machucar". Hoje quero saber o que ela quer de mim, mas também quero saber como ela será.

Relutantemente, como sempre, abro os olhos.

Lá está ela.

A exata mesma sensação de todos os dias passa pelo meu corpo e, novamente ela está diante de meus olhos. É difícil de interpretar. Evito piscar, pois sei que neste brevíssimo intervalo de tempo ela pode mudar sua forma. Pode? Não sei. Agora, é a minha maior certeza.

Como sempre, mentiu para mim. Não tão grande quanto me contou. Não tão perto e, definitivamente, ela não é quem dizia ser... ou será que é? Me forço a acreditar que não.

Converso com ela, em silencio. Total e absoluto silencio, a não ser o som do vento na janela, não tão alto, porém não tão discreto. Ao mesmo tempo em que suas palavras navegam em minha mente, me embriago com algum sentimento que não sei distinguir: Medo? Ansiedade? Receio?

Tenho medo, mas do que tenho medo? Medo de não saber o que ela é, talvez? Sua forma é mística, sua presença é hostil, suas palavras são pesadas. Hoje ela me diz ser alguém, me olhando fixamente. Ela me disse isso. Não parou de me dizer desde que eu lembrei de que ela estava lá. Sigo olhando para ela, procurando, tentando entender a verdade, me perguntando a todo momento "Ela alguma vez já me disse a verdade?".

Sinto uma ansiedade, uma angústia, em querer saber o que ela será da próxima vez, ou ao menos o que ela me dirá ser. Quando criança, ela conversava mais comigo, dizia sempre ser algo agressivo, que me levaria embora, que me tomaria nos braços para me fazer mal e, unicamente, fazer mal. Hoje parece ser um pouco mais calma, apesar de igualmente hostil. A verdade é que ela nunca me deixou, não importa para onde eu ia, sempre me seguia, mesmo que em algum momento eu não a pudesse ver, sabia que ela ainda estava lá.

Meus olhos seguem abertos, ela segue exclamando em minha mente: OLHE PARA MIM! Tenho receio de fechá-los e ela me fazer algum mal. Me escondo. Cubro meu rosto para que ela não possa me alcançar, mesmo sabendo que ela não sairá de lá. Isso me conforta. Me relaxa. O grito dela já não é tão alto. Gradativamente sua imponente voz fica mais distante, como se estivesse sucumbida em sua própria mentira, aceitando o fato de que não é o que diz ser.

Vejo luz. Não a escuto. O som da janela, que outrora lhe dava forças, me conforta, apesar de ser quase o mesmo som, é como se eu pudesse escutá-lo de uma maneira diferente. Meus olhos se abrem por completo. La está ela. No mesmo lugar, fraca, quase invisível. Sua imponência já não é algo de se notar.

Penso em cada detalhe, cada mínimo detalhe das palavras que me foram ditas. Percebo que, independentemente do quanto ela grite para mim, afirmando, incessantemente, ser alguma coisa, a luz sempre virá para desmenti-la completamente. No entanto, não consigo deixar de pensar no que farei quando a luz for embora.

Sinto que nunca irei me livrar dela, estar com ela me dá medo. Mas assim como ela me dava mais medo quando eu era criança, talvez amanhã já não sinta mais nada por ela. Talvez nem note mais a sua presença. Talvez ela seja apenas mais um detalhe, mais alguma coisa que simplesmente está lá e que não conversa mais comigo. Afinal, ela é apenas uma sombra na parede.  

A Sombra na ParedeOnde histórias criam vida. Descubra agora