O nosso primeiro reencontro foi estranho, eu lembro de olhar pra você depois de anos e me perguntar como que nós chegamos naquilo, lembro de quando éramos crianças, lembro de tudo parecer fácil, sobre como não precisávamos nos encontrar sempre ou nos falar sempre, a nossa amizade era fluída e nossa conexão se mantia cada vez mais forte mesmo depois de meses sem se ver.
Lembrava das coisas que fazíamos juntos e como você parecia estupidamente igual, ainda parecia a minha melhor amiga que fazia parte das minhas melhores memórias, lembro também de como você parecia diferente e do fato de que sempre que eu conhecia mais do seu novo eu, eu percebia que eu não conhecia você, não sabia nada sobre quem você era agora.
Não conhecia seus novos amigos, não sabia onde você morava agora, não sabia qual a sua banda favorita ou oque você gostava de jogar, não sabia nada, nada do que eu sabia antes, e quanto mais eu conhecia o seu novo eu mais eu percebia que não importa quantas versões suas eu conheça, eu ia me apaixonar por todas elas.
Quando nós nos reencontramos pela primeira vez eu era um adolescente imprudente que achava que quanto mais eu fosse contra as coisas que me ensinavam, mais livre eu era, que acreditava que fugir pra beber e enxer a cara de droga me faria independente, que não entendia que o problema da minha mãe não era ela ser chata ou não me entender, no fim eu que não entendia ela.
E você, você era alguém tentando encontrar o próprio espaço, tentando se provar pro mundo, que era insegura demais pra perceber o quão incrível você era, que era tímida demais pra conseguir fazer com que escutassem a sua voz, que era especial demais pra viver a realidade que vivia.
Lembro de como você parecia ter medo de mim, parecia evitar se apagar, se reconectar, lembro que depois de entrar no seu grupo de amigos demoramos meses para ter uma conversa de verdade, lembro que você demorou pra se abrir e agir comigo como agia com eles, demorei pra responder minhas perguntas sobre você, demorei pra descobrir que seus pais eram uns merdas e que você não era reclusa porque gostava, você foi moldada assim.
Lembro que era difícil encontrar você, minha mãe te odiava tanto quanto a sua me odiava e você não era rebelde o suficiente ao ponto de aceitar fugir para me encontrar, no fim eu lembro de todas as vezes que eu atravessei a cidade pra ver você, no único momento em que você não estava cercada por eles, lembro de ensinar você a fumar, mas não a beber, seu pai bebia muito e você morria de medo de ser minimamente parecida com ele.
E eu lembro de quando tudo desabou, lembro perfeitamente da sensação de anestesia se alastrando pelo meu corpo, nunca me senti tão em paz longe de você quanto eu me senti naquele dia, lembro de acordar duas semanas depois, lembro do choro da minha mãe, da fraqueza, do cheiro do hospital e daquele zumbido infernal que insistia em permanecer ali, eu lembro perfeitamente da puta saudade que eu sentia de você.
Minha mãe me proibiu de ter contato com a internet, tudo que eu tinha era uma televisão, ela não deixou muitas pessoas irem me visitar, deixou menos ainda que as pessoas soubessem oque tinha acontecido, não culpo ela, não deve ser muito agradável explicar que o filho de dezesseis anos sofreu uma overdose.
Quando eu saí decidi que o melhor era recomeçar, sem a escola antiga, sem drogas, sem os "amigos", sem você, me arrependo profundamente dessa parte, eu sumi, desapareci mesmo, bloqueei você e os nossos amigos, excluí tudo, magoei todo mundo, não expliquei nada, nada sobre a overdose, nada sobre o tempo no hospital, nada sobre a reabilitação, nada sobre amar você.
Eu sumi, mudei de endereço, de estilo, de número, de hábitos, só não mudei de nome porque gosto do meu, e ignorar vocês não significa que eu esqueci vocês, pensava muito em vocês, principalmente em você, olhava oque você postava as vezes, assistia de longe você conhecer gente nova, visitar lugares novos, se apaixonar por outro alguém.
Vi você mudar, de novo, e de novo eu não estava lá pra ver isso acontecer, lembro de chorar, pensar o quão idiota eu era por não ir atrás de você, e quanto mais eu pensava em ir mais eu percebia o quão melhor você tava sem mim e então eu fui deixando, deixando pra lá as mensagens que eu escrevi e não mandei, a vontade de seguir você, a vontade de ter você de novo.
Mas aí, de novo, como na primeira vez o destino nos juntou e fez a gente se reencontrar, e porra, você tava linda, muito mais linda do que era pela porra daquela tela, muito mais linda do que eu já mais tinha imaginado nos meus sonhos, e diferente de tudo que eu pensei que você faria quando passou pela porta da minha humilde loja, você sorriu pra mim, e me abraçou, e depois de anos eu nunca imaginei que ia ouvir a sua voz dizendo o meu nome com tanta alegria de novo.
Você não me odiava, pelo contrário, você parecia genuinamente confusa, sobre tudo que tinha acontecido, e você não me julgou ou me acusou de algo, você sentou e me perguntou o porquê, porque eu tinha sumido, bloqueado, ignorado você, e enquanto eu falava eu só conseguia pensar em como eu era um otario, como eu poderia pensar que você me odiava, era você, minha melhor amiga, a pessoa mais compreensível que eu conheci, a pessoa por quem eu me apaixonei, em todas as versões possíveis.
Você chorou, chorou quando eu contei tudo, chorou enquanto contava pra eles, e ficou puta enquanto ouvia eles dizerem as piores coisas possíveis sobre mim, e doeu, não vou dizer que não, doeu quando eu ouvi pessoas tão importantes dizerem que eu era uma péssima pessoa, que eu tinha abandonado vocês e que eu não merecia uma segunda chance.
Mas quando você me defendeu, quando você me deu uma segunda chance, quando você me amou eu entendi de novo que no final tudo sempre vai ser sobre eu e você, e nós nos amando em todas as nossas versões.
-lu
•não revisado